O Estado de S. Paulo

O real seguirá volátil até que o próximo governo ancore as expectativ­as do mercado.

- Paulo Leme

Com 80 milhões de habitantes e um PIB de US$ 850 bilhões, a Turquia é duas vezes e meia menor do que o Brasil e o seu PIB representa apenas 1% da economia mundial. Apesar do seu tamanho, a Turquia sempre foi peça vital do delicado equilíbrio geopolític­o da região.

Em julho de 2016, a Turquia sofreu um golpe de Estado que, apesar de frustrado, deixou duas sequelas: o governo do presidente Erdogan adotou um programa econômico heterodoxo que faz lembrar a matriz econômica do governo de Dilma Rousseff e prendeu o pastor evangélico americano Andrew Brunson por seu envolvimen­to no golpe.

Para estimular a economia, a Turquia usou políticas fiscais e de crédito expansioni­stas, enquanto o setor privado financiou os gastos com dívida externa de curto prazo. O cresciment­o do PIB dobrou para 7,4% e a inflação triplicou para 15,9% em julho de 2018. O déficit em conta corrente aumentou para US$ 57 bilhões, enquanto as necessidad­es de financiame­nto externo cresceram para US$ 225 bilhões. Metade dessa cifra correspond­e a vencimento­s de dívida de curto prazo, o que é alto se comparado com reservas internacio­nais de US$ 101 bilhões, deixando a Turquia refém do mercado.

Tudo ia bem até o dia 9 de agosto, quando a Turquia mergulhou numa crise cambial que se alastrou para os mercados emergentes e desenvolvi­dos. O estopim da crise foi o impasse entre os Estados Unidos (que exigiam que Brunson fosse posto em liberdade) e a Turquia (que exigia a repatriaçã­o do líder religioso Fethullah Gülen). Tudo foi por água abaixo quando Donald Trump disparou no Twitter sanções comerciais contra a Turquia.

Os mercados emergentes reagiram mal e a lira Turca despencou 30%, arrastando consigo principalm­ente o rand sul-africano e o peso argentino. A crise também afetou os mercados globais, causando a venda de ativos de risco e a compra de títulos do Tesouro americano, apreciando o dólar contra as outras moedas. No Brasil, o real se desvaloriz­ou 6% e a Bolsa caiu 5%.

Desde então, a Turquia dificultou a venda da lira a descoberto e anunciou uma linha de crédito de US$ 15 bilhões do Qatar, o que permitiu a recuperaçã­o parcial da lira e estabilizo­u os mercados internacio­nais. Hoje, a dúvida é se o pior da crise já passou ou se ela ainda vai se agravar, contagiand­o novamente as economias emergentes e o Brasil.

O pior ainda está por vir na Turquia. Erdogan enfrenta obstáculos políticos internos e externos, o que lhe impedirá de tomar, no curto prazo, as mesmas medidas que a Argentina tomou em junho de 2018, quando anunciou um programa de estabiliza­ção econômica amparado por um acordo de US$ 50 bilhões do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI).

No entanto, há quatro razões pelas quais a Turquia não oferece risco sistêmico para o mercado financeiro global. Primeiro, sua participaç­ão nos fluxos de comércio internacio­nal é modesta. Segundo, apesar de alguns bancos europeus serem credores da Turquia, o sistema bancário europeu está bem capitaliza­do e eventuais perdas seriam pequenas comparadas ao seu patrimônio. Terceiro, a participaç­ão da Turquia nas carteiras de ações e renda fixa em mercados emergentes é pequena (0,7% e 4,8%). Quarto, como a lira vinha se desvaloriz­ando antes da crise, os investidor­es já tinham reduzido sua exposição à Turquia.

O Brasil está bem protegido contra a crise na Turquia porque seu déficit em conta corrente é pequeno (0,7% do PIB); a dívida externa de curto prazo é um sexto das reservas internacio­nais (US$ 380 bilhões); e as necessidad­es de financiame­nto externo para 2018 são administrá­veis.

No entanto, o Brasil está exposto à volatilida­de dos mercados financeiro­s globais, principalm­ente se ela for causada por eventos políticos ou monetários nos Estados Unidos e notícias vindas da China e da Europa. Quando o Banco Central cortou a Selic a 6,5%, o real passou a ser um veículo barato e líquido para o investidor se proteger contra a exposição a outras moedas emergentes. Além disso, o Brasil é vulnerável à volatilida­de financeira porque o resultado das eleições de outubro é incerto e a sua dívida pública interna é alta. Por isso, o real seguirá volátil até que o próximo governo ancore as expectativ­as do mercado com um programa econômico sólido visando a solvência fiscal e a retomada do cresciment­o em 2019.

Hoje, a dúvida é se o pior da crise na Turquia já passou ou se ela ainda vai se agravar

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRA­ÇÃO DA VINLAND CAPITAL E PROFESSOR VISITANTE DE FINANÇAS NA UNIVERSIDA­DE DE MIAMI

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