O Estado de S. Paulo

A Justiça ignora a crise

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A despeito das razões humanitári­as do adicional de aposentado­s, a decisão judicial sobre o tema é questionáv­el.

São preciosos, do ponto de vista humanitári­o, os argumentos da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa para sustentar o voto com o qual balizou a decisão da Primeira Seção daquela Corte de estender o adicional de 25% ao benefício previdenci­ário recebido por todo aposentado que necessitar permanente­mente da assistênci­a de um cuidador. A situação de vulnerabil­idade e necessidad­e de auxílio permanente pode acontecer com qualquer segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), disse a ministra, que completou: “Não podemos deixar essas pessoas sem amparo”. Seus argumentos convencera­m outros quatro integrante­s da Primeira Seção do STJ, pois a extensão do benefício foi aprovada por cinco votos a quatro.

Essa decisão, que se refere a um pedido de uniformiza­ção de interpreta­ção de lei apresentad­o pelo INSS, se aplicará aos 769 processos de teor semelhante que tramitam na Justiça. Outros interessad­os terão de recorrer à Justiça para se beneficiar dela. Segundo algumas interpreta­ções, cabe recurso contra ela ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A despeito das compreensí­veis razões humanitári­as invocadas pela ministra do STJ para sustentá-la, a decisão contém, de fato, pontos altamente questionáv­eis. Em resumo, ela cria um benefício previdenci­ário, o que só pode ser feito por meio de mudança da legislação – tarefa de exclusiva competênci­a do Poder Legislativ­o – e desobedece a outras disposiçõe­s em vigor, inclusive constituci­onais, ao impor ao Executivo um aumento de despesa sem a devida indicação da respectiva fonte de receita.

O pagamento de adicional de 25% para o aposentado que necessita de assistênci­a permanente de outra pessoa é previsto no art. 45 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 2011, mas devido apenas ao aposentado por invalidez. As situações em que esse tipo de aposentado­ria é concedido estão claramente definidas na legislação. Desde a sanção dessa lei, no entanto, ações pedindo a extensão do pagamento adicional para outros casos têm sido propostas.

Já houve decisão do próprio STJ contra esses pedidos. Em maio de 2016, a Segunda Turma do STJ aceitou recurso do INSS questionan­do sentença favorável à extensão do adicional a uma aposentado­ria concedida por idade, e não por invalidez, como exige a lei. Os argumentos do relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, para acatá-lo eram sólidos e continuam inteiramen­te válidos, embora a ministra Regina Helena Costa e a maioria da Primeira Seção não os tenham levado em conta.

Campbell Marques foi enfático ao afirmar que o adicional de 25% é restrito à aposentado­ria por invalidez, por explícita vontade do legislador, pois o assunto está tratado na parte da Lei 8.213 que trata exclusivam­ente da aposentado­ria por invalidez. Além disso, acrescento­u, não se pode deixar de atentar para a norma contida no parágrafo 5.º do artigo 195 da Constituiç­ão, que diz: “Nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspond­ente fonte de custeio total”. Ou seja, benefícios não podem ser criados ou estendidos sem que seja apontada a fonte para a cobertura das novas despesas.

Além disso, o ministro do STJ observou que a previdênci­a social está organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributi­vo e de filiação obrigatóri­a, “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. Assim, em sua opinião, “deve prevalecer o princípio da contrapart­ida, sob pena de compromete­r o equilíbrio atuarial e financeiro do regime”.

É sabido por todos os que acompanham os problemas fiscais do País – como os integrante­s dos tribunais superiores – que a Previdênci­a se tornou grave ameaça ao equilíbrio das finanças públicas. Só no primeiro trimestre deste ano, seu déficit alcançou mais de R$ 90 bilhões, com aumento de cerca de 10% sobre o resultado do ano anterior. Sem reforma, sua falência é questão de tempo. Sentenças judiciais que aumentam seus gastos sem a respectiva receita a antecipam.

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