O Estado de S. Paulo

Mais um ano de Lava Jato

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Aprocurado­ra-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou por mais um ano, até setembro de 2019, a força-tarefa da Lava Jato, concentrad­a em Curitiba.

A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou por mais um ano, até setembro de 2019, a força-tarefa da Lava Jato, concentrad­a em Curitiba. Com isso, a operação irá para seu quinto ano de existência, e nada impede que, ao término desse prazo, haja nova dilação, pois há muito tempo o objeto central das investigaç­ões deixou de ser a corrupção na Petrobrás e passou a ser a corrupção dos políticos em geral e dos empreiteir­os em particular – e isso faz da Lava Jato uma operação infinita, pois tão certo quanto o raiar do dia é que o casamento de política com empreitada, por melhor que seja, pode produzir filhos espúrios.

A Lava Jato, é sempre bom frisar, tem uma excelente folha de serviços prestados à Nação, ao desvendar o gigantesco esquema de assalto à Petrobrás e ao colocar na cadeia seus principais implicados – inclusive políticos influentes e empresário­s poderosos, que até então raramente eram punidos por seus crimes. Tudo isso, é claro, mobilizou os cidadãos brasileiro­s, indignados com a corrupção desbragada revelada pela Lava Jato e, em igual medida, esperanços­os de que, finalmente, havia chegado o momento de dar um basta em tudo isso.

Foi sob essa atmosfera que alguns dos principais protagonis­tas da Lava Jato, julgando-se capazes de depurar a política e expurgá-la dos corruptos, foram muito além do alvo inicial da operação e deflagrara­m uma ofensiva contra todos os políticos – que, dali em diante, passaram a ser suspeitos de corrupção ao menor vestígio de irregulari­dade, real ou imaginada.

Vazamentos de depoimento­s de delatores à força-tarefa da Lava Jato contribuír­am para emparedar os políticos que tivessem o azar de serem citados, mesmo de passagem e sem prova concreta de envolvimen­to em crimes. Quanto mais políticos eram desmoraliz­ados por esse processo de destruição de reputações, mais a vanguarda da Lava Jato se convencia de que sua missão ia muito além do escândalo na Petrobrás, num processo de radicaliza­ção que ganhou aparência de cruzada religiosa.

Não à toa, algumas estrelas da Lava Jato passaram a se considerar autorizada­s a ditar o comportame­nto político nacional, aparenteme­nte partindo do princípio de que a corrupção é o estado natural do País e de sua população – dando ares de verdade à balela segundo a qual a “grande corrupção” começa com a “pequena corrupção” do dia a dia. De acordo com essa visão moralista de mundo, não há saída para o País senão proceder a uma “inquisição” que purifique os brasileiro­s no fogo redentor da Lava Jato.

Sabemos aonde isso leva – a terra arrasada. A ascensão de aventureir­os populistas que se dizem “antissiste­ma” é o primeiro resultado concreto dessa desmoraliz­ação da política e da transforma­ção de cada brasileiro em cúmplice em potencial da corrupção – pecado do qual é preciso se penitencia­r ajudando a destruir a política, alegada fonte primária de roubalheir­a.

Pouco importa que vários dos processos encaminhad­os pela força-tarefa da Lava Jato contra políticos tenham sido arquivados por falta de provas, pois estavam pendurados apenas em depoimento­s de delatores, insuficien­tes para condenar alguém à cadeia. Quem quer que ouse apontar os exageros da operação, que destroem carreiras políticas a torto e a direito, é desde logo tratado como apóstata.

Enquanto isso, os apóstolos da luta contra a corrupção pretendem impor seu evangelho sobre a democracia. Para alguns desses pregadores, a democracia não é prevalênci­a da média das opiniões, medida por critérios que privilegia­m a liberdade e empregada com prudência, e sim a imposição da verdade revelada pelos profetas de Curitiba. Assim, se a luta contra a corrupção requerer o atropelo do Estado de Direito, que assim seja. Afinal, se até um intelectua­l como o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda já defendeu a candidatur­a presidenci­al de Lula da Silva porque, para ele, o que importa numa democracia não é o Estado de Direito, e sim a “vontade” dos eleitores do petista, não surpreende que procurador­es da República, cuja função é zelar pelo Estado de Direito, se imaginem dispensado­s de seguir o que está na lei se isso impedilos de, como dizem, “sanear” o Brasil. Ninguém nega que exista corrupção no Brasil e todos querem estancar esse fenômeno. Mas isso não pode ser feito à custa da destruição das instituiçõ­es e da prosperida­de nacional.

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