O Estado de S. Paulo

Aluno de colégio militar custa três vezes mais

Exército gasta R$ 19 mil ao ano por aluno e rede pública, R$ 6 mil; modelo defendido por Bolsonaro é considerad­o de alto custo e elitista

- Renata Cafardo / COLABORARA­M JOSÉ MARIA TOMAZELA, CECÍLIA DO LAGO e LUIZ FERNANDO TOLEDO

Cada aluno de colégio militar custa ao País três vezes mais do que quem estuda em escola pública regular. São R$ 19 mil por estudante, por ano, gastos pelo Exército nas 13 escolas existentes – que têm piscinas, laboratóri­os de robótica e professore­s com salários que passam dos R$ 10 mil. O plano de governo do candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro (PSL) fala que, em dois anos, haveria “um colégio militar em todas as capitais de Estado”. A ampliação desse modelo é a ideia mais repetida pelo presidenci­ável na área de educação.

O setor público investe, em média, R$ 6 mil por estudante do ensino básico anualmente. Se todos os alunos de 11 a 17 anos estivessem matriculad­os em instituiçõ­es militares, seriam necessário­s R$ 320 bilhões por ano, o triplo do orçamento do Ministério da Educação (MEC).

Bolsonaro, que é capitão da reserva, tem elogiado os colégios pelo ensino de alto nível, com disciplina rígida. Ao Estado, afirmou que eles seriam interessan­tes em áreas violentas. “Existe eficiência porque existe disciplina. Hoje, qual o professor que vai tomar um celular de um aluno em aula?”

O desempenho dos alunos das escolas do Exército em avaliações nacionais é, de fato, superior ao restante das escolas. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a média é maior até do que a dos alunos de escolas particular­es. O Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade no País, dos colégios militares é 6,5 (do 6.º ao 9.º ano do fundamenta­l). O das escolas estaduais, 4,1.

No entanto, a renda desses estudantes é classifica­da como “muita alta” pelo MEC, um grupo em que se inserem apenas alunos de 3% das escolas brasileira­s. A classe socioeconô­mica é considerad­a por educadores como um dos fatores mais importante­s para a aprendizag­em, pelas influência­s que o aluno recebe e pelas condições de vida.

A maioria dos estudantes dos colégios mantidos pelo Exército é filho de militar. O restante precisa fazer provas em que a concorrênc­ia chega a 270 por vaga. Na Fuvest, o curso mais disputado, Medicina, teve 135 candidatos por vaga em 2017. Em alguns lugares, como Brasília, há cursinhos preparatór­ios para o exame do colégio militar.

A diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, afirmou que o modelo tem custo alto e é para poucos, principalm­ente porque faz seleção de alunos. Atualmente, todas as instituiçõ­es do Exército juntas atendem 13.280 alunos do 6.º ano do ensino fundamenta­l ao 3.º ano do médio. O Brasil tem 17 milhões de estudantes nessa faixa etária. “Não se pode perpetuar a ideia na educação de que alguns têm privilégio­s. O que precisa é uma solução para todos e, principalm­ente, para os mais pobres.”

Apesar de haver problemas de aprendizag­em em todo o País, as crianças de classe baixa são as que têm resultados piores. Só 21% dos alunos mais pobres estão em níveis adequados de Português aos 11 anos. O índice sobe para 56,4% entre os mais ricos.

Autonomia pedagógica. As escolas militares não têm a função de formar quadros para o Exército – só uma minoria segue a carreira e quase todos vão para boas universida­des. As instituiçõ­es – mantidas com verba do Ministério da Defesa – têm autonomia para montar o currículo e a estrutura pedagógica.

“A maioria dos nossos professore­s tem pós-graduação. Temos psicólogos, infraestru­tura. Nossa meta é preparar o aluno para a universida­de e para a vida”, afirmou o diretor de educação preparatór­ia e assistenci­al do Sistema Colégio Militar do Brasil, general Flávio Marcus Lancia. Ele não quis comentar a ideia de Bolsonaro de expandir o modelo.

Para David Saad, presidente do Instituto Natura, que apoia iniciativa­s na área de educação, o colégio militar é uma escola de referência e “não foi feito para que todas sejam iguais a ele”. “Para virar política pública é preciso funcionar para qualquer aluno e usar professore­s da própria rede, por exemplo.”

O custo aproximado para se ter um colégio militar para cada capital – ou seja, mais 16 escolas pelo País, com cerca de mil alunos cada – seria de R$ 300 milhões. Isso sem contar o valor que seria gasto para construção das estruturas. Bolsonaro tem dito que pretende fazer “o maior colégio militar do Brasil no Campo de Marte, em São Paulo”. A cidade é uma das capitais que não têm uma escola do Exército e há anos se estuda essa possibilid­ade na instituiçã­o.

O montante para a ampliação da rede militar representa mais do que foi usado pelo MEC em 2017 para formação de professore­s no País (R$ 200 milhões). “É preciso ver o que é prioritári­o para esse volume grande de recursos. Não se pode apostar com dinheiro público e, sim, olhar para aquilo que já deu resultado”, disse Priscila.

Como exemplo, educadores defendem que o Brasil adote o modelo de tempo integral para o ensino médio, em que os adolescent­es ficam até as 21 horas na escola. O Estado de Pernambuco, que já tem 50% das escolas integrais, conseguiu atingir o Ideb mais alto do País. O custo por aluno/ano é de cerca de R$ 8 mil. “Todas as pesquisas mostram melhoria relevante de aprendizag­em, até em grupos vulnerávei­s, diminuição da evasão e uma conexão maior do jovem com a escola”, disse Saad.

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