VIDAS SECAS 80 ANOS
O sertão imortalizado no livro de Graciliano Ramos continua a alternar períodos de seca e de pasto verde, mas hoje vê carros de boi passarem na frente de casas com Wi-Fi. O sertanejo mantém sua rotina agrícola ao lado dos que sonham em ir embora e dos que tiveram de voltar, relata Felipe Resk.
Oromance Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos (18921953), acaba de completar 80 anos de publicação. Ao longo das décadas, a obra tornou-se universal e manteve-se atual. O interior que sofre mergulhado na seca, a falta de oportunidades em um País desigual, as injustiças sociais que se perpetuam e o sonho de imigrar em busca de uma vida melhor permanecem – e não apenas no Brasil. À procura de outras vidas secas, o Estado trilhou 450 quilômetros no interior dos Estados de Alagoas e Pernambuco. O sertão sem nomes de Graciliano é onde se mora sob taipa e, facão a tiracolo, o vaqueiro pisa em ossada de boi. Os sertanejos enganam-se nas contas do patrão e sonham em ter cama de vara. Para comer, aproveitam na panela o papagaio que já morreu de fome. Agora, o sertão é de Pelé e Branca, agricultores, resistentes da seca. De gente que anuncia passagem para viajar para fora, mas se vê obrigada a permanecer. De sertanejos que foram embora, de outros que voltaram. Mas, diga-se, o percurso não é só de seca. Faixas de terra cobriramse de verde. Às margens de rodovias asfaltadas, casas formam um mar de cisternas e antenas parabólicas, boa parte com Wi-Fi. Nas cidades, ainda muito católicas, há cafeterias gourmet e academias de jiu-jítsu. Com agricultura e pecuária protagonistas da economia, no entanto, a região segue refém das chuvas.
São os personagens que traduzem a atualidade da obra de Graciliano. A vida na roça, a violência, os programas sociais, a baixa escolarização, a gravidez precoce e a questão da terra misturam-se à seca, à falta de oportunidades, às injustiças e ao sonho de imigrar. As histórias também contam como a memória de Graciliano é (ou não) preservada, nos municípios onde ele nasceu, viveu a infância e trabalhou, tanto pela população como pelos governos locais.
Para comentar o legado de Vidas Secas para a literatura, o Estado entrevistou o pesquisador Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano. “Se vivo, seria uma voz que continuaria gritando, ressaltando e colocando em foco as mazelas da vida brasileira, que são muitas e vêm se acentuando”, afirma.