O Estado de S. Paulo

VIDAS SECAS 80 ANOS

- Felipe Resk (TEXTOS) e Daniel Teixeira / (FOTOS) ENVIADOS ESPECIAIS A BUÍQUE (PE), MARAVILHA (AL), MINADOR DO NEGRÃO (AL), PALMEIRA DOS ÍNDIOS (AL) e QUEBRANGUL­O (AL) G uilherme Sobota (TEXTOS) / ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O sertão imortaliza­do no livro de Graciliano Ramos continua a alternar períodos de seca e de pasto verde, mas hoje vê carros de boi passarem na frente de casas com Wi-Fi. O sertanejo mantém sua rotina agrícola ao lado dos que sonham em ir embora e dos que tiveram de voltar, relata Felipe Resk.

Oromance Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos (18921953), acaba de completar 80 anos de publicação. Ao longo das décadas, a obra tornou-se universal e manteve-se atual. O interior que sofre mergulhado na seca, a falta de oportunida­des em um País desigual, as injustiças sociais que se perpetuam e o sonho de imigrar em busca de uma vida melhor permanecem – e não apenas no Brasil. À procura de outras vidas secas, o Estado trilhou 450 quilômetro­s no interior dos Estados de Alagoas e Pernambuco. O sertão sem nomes de Graciliano é onde se mora sob taipa e, facão a tiracolo, o vaqueiro pisa em ossada de boi. Os sertanejos enganam-se nas contas do patrão e sonham em ter cama de vara. Para comer, aproveitam na panela o papagaio que já morreu de fome. Agora, o sertão é de Pelé e Branca, agricultor­es, resistente­s da seca. De gente que anuncia passagem para viajar para fora, mas se vê obrigada a permanecer. De sertanejos que foram embora, de outros que voltaram. Mas, diga-se, o percurso não é só de seca. Faixas de terra cobriramse de verde. Às margens de rodovias asfaltadas, casas formam um mar de cisternas e antenas parabólica­s, boa parte com Wi-Fi. Nas cidades, ainda muito católicas, há cafeterias gourmet e academias de jiu-jítsu. Com agricultur­a e pecuária protagonis­tas da economia, no entanto, a região segue refém das chuvas.

São os personagen­s que traduzem a atualidade da obra de Graciliano. A vida na roça, a violência, os programas sociais, a baixa escolariza­ção, a gravidez precoce e a questão da terra misturam-se à seca, à falta de oportunida­des, às injustiças e ao sonho de imigrar. As histórias também contam como a memória de Graciliano é (ou não) preservada, nos municípios onde ele nasceu, viveu a infância e trabalhou, tanto pela população como pelos governos locais.

Para comentar o legado de Vidas Secas para a literatura, o Estado entrevisto­u o pesquisado­r Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano. “Se vivo, seria uma voz que continuari­a gritando, ressaltand­o e colocando em foco as mazelas da vida brasileira, que são muitas e vêm se acentuando”, afirma.

 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ??
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? Rotina no sertão nordestino. Na zona rural de Buíque, sertanejo (acima) joga água para porcos na Fazenda Pintadinho, onde Graciliano passou parte da infância, e irmãos (abaixo) brincam em açude seco enquanto os pais trabalham na roça.
Rotina no sertão nordestino. Na zona rural de Buíque, sertanejo (acima) joga água para porcos na Fazenda Pintadinho, onde Graciliano passou parte da infância, e irmãos (abaixo) brincam em açude seco enquanto os pais trabalham na roça.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil