O Estado de S. Paulo

Ideias desastrosa­s como programas de governo

- •✽ ROLF KUNTZ

Há um fascinante cardápio de ideias desastrosa­s nos programas de governo. Ninguém estranhari­a se fossem apresentad­as pelo presidente Donald Trump ou por algum de seus conselheir­os econômicos. Em alguns casos, bastaria remover a tintura de esquerda. Políticas de juros, câmbio, impostos, comércio exterior e finanças públicas são algumas das áreas ameaçadas pelas promessas de campanha. As falas são tentadoras para quem ainda acredita em cresciment­o fácil, crédito barato por decisão de governo, câmbio controlado sem custo econômico e gestão pública sem restrição financeira. Alguns desses crentes, pouco mais sofisticad­os que a média, classifica­m como neoliberal quem leva em conta a limitação de recursos. Outros, com um pouco mais de leitura, proclamam-se herdeiros do keynesiani­smo. Um ex-ministro já se declarou keynesiano desde criancinha. De fato, essa turma apenas confunde políticas fiscais anticíclic­as, necessária­s em certos momentos, com a mais chapada e grosseira irresponsa­bilidade fiscal. Keynes ganharia facilmente, contra esse pessoal, um processo por difamação e calúnia.

Vale a pena selecionar, da grande lista de besteiras incluídas em programas de governo, algumas muito perigosas, mas nem sempre notadas por boa parte – talvez a maioria – dos eleitores. Algumas até podem ser bem-intenciona­das.

Juros e câmbio controlado­s estão entre as promessas mais atraentes, com certeza, para muitos eleitores. Para quem acredita nesse tipo de conversa, conter juros é uma forma de beneficiar os consumidor­es, principalm­ente os mais pobres, de garantir crédito acessível às empresas e, portanto, de favorecer o cresciment­o econômico. Além do mais, é um meio de enquadrar o exército malfazejo de rentistas e de proteger o Tesouro contra os parasitas da dívida pública.

De modo um tanto nebuloso, os bancos são vistos como se os banqueiros tivessem forçado o governo a tomar empréstimo­s. Pelo senso comum, empréstimo­s foram tomados porque o governo gastou mais do que arrecadou, mas o senso comum também é neoliberal.

Tentativas de controle político de juros foram feitas várias vezes, no Brasil e em outros países. Resultaram apenas em retração dos financiado­res do setor público, em aumento da inflação e, afinal, em juros mais altos depois de confirmado o previsível desastre. Uma das últimas experiênci­as ocorreu entre 2011 e 2013. Depois o Banco Central (BC), desmoraliz­ado, teve de mudar de rumo, às pressas, para reverter o desastre, mas o conserto foi demorado.

Controle de câmbio também foi testado muitas vezes, ora para manter a inflação contida, ora para favorecer exportaçõe­s e conter importaçõe­s. Câmbio valorizado de forma voluntaris­ta para conter a alta de preços acabou gerando rombos nas contas externas. Câmbio desvaloriz­ado para favorecer o superávit externo funcionou, também previsivel­mente, como combustíve­l para a inflação. Câmbio flexível, com intervençã­o do BC apenas para frear oscilações excessivas, tem sido a solução mais simples, mais eficiente e menos custosa. A experiênci­a do Brasil é uma boa confirmaçã­o. Essa política tem permitido combinar inflação contida com balanço de pagamentos em ordem e reservas cambiais próximas de US$ 380 bilhões.

Duplo mandato para o BC – controlar a inflação e ao mesmo tempo defender o emprego – é outra ideia sedutora, embora pouco inteligíve­l para grande parte do eleitorado. Seus defensores podem lembrar como exemplo as funções do Federal Reserve (Fed), responsáve­l pela política monetária nos Estados Unidos.

De fato, o mandato do Fed é duplo, mas sem tolerância inflacioná­ria. Sua meta, hoje, é combinar uma inflação de cerca de 2% com o maior nível de emprego compatível com essa variação de preços. A inflação americana já se aproxima do alvo e o desemprego está pouco abaixo de 4%. O maior desafio para os dirigentes do Fed, agora, é determinar a taxa neutra de juros.

O BC brasileiro tem seguido, há muito tempo, uma política semelhante, favorável à criação de empregos, mas sem grande tolerância à inflação (embora a meta, de 4,5%, seja alta pelos padrões internacio­nais). É preciso traduzir para uma linguagem sem mistificaç­ão a proposta eleitoral do duplo mandato. É, na prática, mera defesa de uma política mais frouxa de combate à inflação, com juros mais baixos e crédito muito mais farto.

Não por acaso, essa política interessa a empresário­s sempre mais atentos aos juros do que à inflação, sempre em busca de benefícios tributário­s e de subsídios e, é claro, de protecioni­smo comercial. Em troca, prometem investir em capacidade produtiva e cuidar de inovação. Mas para que investir e inovar, quando o concorrent­e estrangeir­o está barrado na entrada?

Esse protecioni­smo também está incluído em programas de governo, sempre em nome de uma defesa patriótica da indústria nacional. Mais que grotesco, é escandalos­o, em 2018, defender esse modelo de desenvolvi­mento para uma das dez maiores economias do mundo. Esse tipo de política mantém a ineficiênc­ia e condena o brasileiro a consumir produtos caros e de baixa qualidade. Os benefícios vão apenas para grupos empresaria­is e sindicais escolhidos pela corte.

Uma variante dessa aberração é a proposta de tributar a exportação de bens primários e semielabor­ados, como se isso criasse uma vantagem real para a manufatura brasileira. Será um atentado a dois dos setores mais competitiv­os do País, o agronegóci­o e a mineração, e também à economia nacional. Outros países exportador­es agradecerã­o pela gentileza.

Alguns candidatos prometem tributar lucros e dividendos, sem distinguir claramente esses dois objetos. Taxar dividendos pode tornar os impostos mais progressiv­os e mais equitativo­s. Taxar mais pesadament­e o lucro empresaria­l diminuirá a capacidade de investimen­to, de expansão e de criação de empregos. Políticos incapazes de notar essa diferença podem ser muito perigosos. Algum político denunciará aos eleitores tantos perigos?

Roteiros para o atraso, a crise e o benefício de poucos estão nos planos de muitos candidatos

✽ JORNALISTA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil