O Estado de S. Paulo

Compromiss­o com o caos

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Adramática situação do Rio de Janeiro, um Estado dragado por uma crise moral, política e econômica sem paralelos na história recente, pode ser explicada, entre outras razões, pelo absoluto desdém com que o Poder Legislativ­o estadual parece tratar de questões como responsabi­lidade fiscal e pacto federativo. Às favas com estes conceitos caros apenas aos que exercem o múnus público imbuídos por genuíno espírito republican­o quando o que está em jogo é o agrado à poderosa casta do funcionali­smo.

Com 36 votos favoráveis e nenhum – pasme o leitor –, nenhum contrário, a Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro (Alerj) derrubou o veto do governador Luiz Fernando Pezão (MDB) aos projetos de lei que aumentam em 5% os salários dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RJ), do Ministério Público estadual e da Defensoria Pública.

“Não será congelando os salários que o Estado do Rio vai sair da crise”, disse o deputado Gilberto Palmares (PT). Para a deputada Lucinha (PSDB), “o governador fez uma maldade com as pessoas e nós impedimos”. Flávio Bolsonaro (PSL) justificou seu voto favorável ao aumento alegando que “o projeto é anterior à recuperaçã­o fiscal e o governo tinha essa dívida a honrar”. Como se pode ver, demagogia e incúria no trato das finanças públicas podem ser mais fortes do que circunstan­ciais desavenças no campo político-ideológico. Em especial durante ano eleitoral.

A bem da verdade, não se pode dizer que o governador Luiz Fernando Pezão tenha força política para, com folga, fazer passar na Alerj quaisquer projetos de iniciativa do Poder Executivo ou para barrar vetos como o que ora foi derrubado. O governador do Estado está na pior posição em que poderia estar, uma espécie de limbo político, espremido, por um lado, pela pressão da realidade – qual seja, governar um Estado falido sem ter apoio na Alerj – e, por outro, pela aproximaçã­o de seu autodeclar­ado ocaso na política: Pezão já manifestou a intenção de não disputar mais eleições após o término de seu atual mandato, no fim deste ano. Mas ele teve a decência de vetar o aumento descabido.

A irresponsa­bilidade da Alerj é particular­mente grave porque, além de esgarçar ainda mais o rombo da Previdênci­a estadual em R$ 77 milhões anuais, o aumento de 5% dado aos servidores públicos põe em risco a permanênci­a do Rio de Janeiro no Regime de Recuperaçã­o Fiscal (RRF) – Lei Complement­ar Federal n.º 159 –, ao qual o Estado aderiu no ano passado para recompor suas finanças.

Caso o Estado seja excluído do RRF, que veda terminante­mente a concessão de aumentos a servidores públicos, entre outras imposições, poderá ser obrigado a ressarcir à União cerca de R$ 18,8 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional. Não são necessário­s cálculos muito sofisticad­os para estimar o impacto que isso teria no já depauperad­o cofre do Estado.

Os deputados da Alerj bem que poderiam ter sopesado as dificuldad­es que se avizinham. Não o fizeram por uma razão muito simples: não importam as barbaridad­es fiscais cometidas no Estado; a União, por meio do Tesouro Nacional – vale dizer, o conjunto dos contribuin­tes brasileiro­s –, vem em socorro na undécima hora. E quando a União tenta fazer valer a força dos contratos, há a mão generosa do Supremo Tribunal Federal (STF) para relativiza­r o que deveria ter a inarredáve­l força das leis, não só para fazer valer cláusulas pactuadas de acordo com o bom Direito, como para servir de exemplo didático. Em pelo menos duas ocasiões recentes a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte Suprema, concedeu liminares sustando bloqueios de recursos do Estado que deveriam ter sido feitos pela União em função do descumprim­ento de cláusulas previstas no RRF pactuado com o Rio de Janeiro.

O governo estadual disse em nota que irá ao STF contra a decisão da Alerj que derrubou o veto ao aumento dos salários dos servidores públicos. Será bom para o País se a Corte, ao menos desta vez, olhar com mais atenção para aqueles que nada têm a ver com a crise do Estado, mas pagam a conta.

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