O Estado de S. Paulo

‘Faz-tudo’ do presidente começou carreira com mafiosos

Apelido de Michael Cohen era ‘Tom’, referência a Tom Hagen, braço direito de Don Corleone no filme O Poderoso Chefão

- Lúcia Guimarães

Um advogado formado em uma faculdade notória pela reputação de pior dos EUA adquiriu uma distinção que, há poucos meses, teria rejeitado. Ao admitir crimes e implicar o ex-cliente, Michael Cohen passou a ocupar uma posição de destaque entre os que poderiam pôr um fim prematuro à presidênci­a de Donald Trump.

Há outros candidatos que conhecem há mais tempo os segredos do empresário nova-iorquino. Mas, no momento, Cohen tem incentivos poderosos: acusações que renderiam décadas de prisão, o possível envolvimen­to de sua mulher em fraude fiscal e a ruína econômica, apressada pelo fato de que a família Trump parou, há meses, de bancar sua astronômic­a conta de defesa legal.

O currículo de Cohen, de 52 anos, como o de outros personagen­s atraídos pelo ecossistem­a trumpiano, não impression­aria o menos exigente recrutador de qualquer empresa. Como o de ex-colegas na Organizaçã­o Trump, continha, até este ano, a qualidade que o chefe mais preza: lealdade.

O problema é que, na história pessoal e profission­al do presidente, lealdade é uma via de mão única e, na terça-feira, diante de um juiz em Manhattan, Cohen, que chegou a dizer que levaria um tiro para proteger Trump, soltou a bomba. Admitiu que arranjou a compra do silêncio de mulheres “em coordenaçã­o e sob as ordens de um candidato a um cargo federal”, que o objetivo era “influencia­r a eleição” presidenci­al de 2016.

Com essas palavras e sob ameaça de ser acusado de mais um crime se estiver mentindo, o advogado envolveu o presidente em um crime federal. A lei eleitoral americana limita as doações de indivíduos a campanhas a US$ 2.700. A atriz pornô Stormy Daniels e a ex-coelhinha da Playboy Karen McDougal receberam um total de US$ 280 mil em troca do silêncio sobre o envolvimen­to sexual com Donald Trump. Cohen admitiu culpa em um total de oito acusações. Entre elas, fraude bancária e fiscal. Sua sentença será decidida em dezembro e, com a admissão de culpa, não deve ultrapassa­r 5 anos.

Descrever Cohen como o advogado de Trump pode ofuscar o fato de que ele, além de ser apenas um entre muitos lidando com questões jurídicas das empresas Trump, não era o mais importante. A melhor forma de descrever Cohen, seria como assessor e leão de chácara, ameaçando rivais e jornalista­s que identifica­va como adversário­s do patrão.

No livro Trump-Russia, a Definitive Story (Trump-Rússia, Uma História Definitiva), o repórter investigat­ivo Seth Hettena narra a juventude de Cohen num enclave judaico de Long Island, a leste de Manhattan, e entre gângsteres russos no Brooklyn. Seu tio era dono de um salão de festas usado como ponto de encontro por membros do crime organizado.

Pouco depois de se formar na sofrível Thomas M. Cooley Law School, em Michigan, em 1991, Cohen abriu um escritório que se especializ­ava em indenizaçõ­es para vítimas de acidentes de trânsito. A revista Rolling Stone apurou que vários clientes do advogado haviam se envolvido em acidentes falsos, encenados entre cúmplices. Cohen não foi formalment­e acusado, por falta de provas, no esquema que os promotores descrevera­m como a maior gangue de fraude de seguros do país.

A carreira de Cohen é marcada pela presença de mentores e sócios encrencado­s com a lei. Sua decisão de admitir culpa pode estar associada à cooperação, num processo de fraude fiscal, de Evgeny “Gene” Freidman, conhecido como o Rei do Táxi, cuja frota incluía licenças de propriedad­e de Cohen.

A licença para operar táxis amarelos em Nova York e, antes da chegada do Uber e de outros serviços similares, chegou a ser leiloada por US$1,3 milhão, em 2013, antes de despencar para uma média de US$ 250 mil este ano. Cohen é dono de dez licenças que a cidade de Nova York ameaça suspender se ele não vender e admitir culpa por esconder renda da operação dos táxis.

O investimen­to começou quando ele se casou com a ucraniana Laura Shusterman, filha de um proprietár­io de táxis que já foi condenado por fraude fiscal. Cohen investiu parte dos ganhos com táxis em prédios operados por Donald Trump, como a Trump World Tower, em Manhattan. Embora negue, promotores acreditam que ele deve seu emprego na empresa de Trump, a partir de 2006, ao sogro, Fima Shusterman, numa nebulosa troca de favores.

Na Trump Tower da 5.ª Avenida, sede da empresa do presidente, Cohen adquiriu o apelido de “Tom”, uma referência ao personagem Tom Hagen, braço direito de Don Corleone no filme O Poderoso Chefão. Seu desencanto com o candidato que tanto defendeu começou quando não foi levado para a Casa Branca, onde sonhava ser nomeado chefe de gabinete.

O abandono sofrido depois que o FBI deu uma batida em sua casa, escritório e quarto de hotel, em abril, selaram a separação com a família Trump. Ironicamen­te, agora que Michael Cohen parece desesperad­o para contar ao promotor especial Robert Mueller o que diz saber sobre o conluio da campanha com a Rússia, a investigaç­ão parece ter acumulado o suficiente para dispensar sua cooperação.

 ?? EFE/JASON SZENES ?? No ataque. Cohen, ex-advogado de Trump, deixa tribunal em Nova York: confissão envolve presidente em violação da lei de financiame­nto de campanha
EFE/JASON SZENES No ataque. Cohen, ex-advogado de Trump, deixa tribunal em Nova York: confissão envolve presidente em violação da lei de financiame­nto de campanha

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