O Estado de S. Paulo

Crucificaç­ão é recado saudita ao Canadá

Execução de birmanês em Meca teria relação com críticas do governo canadense à monarquia; execuções crescem após série de reformas

- Renata Tranches

Em meio a uma disputa diplomátic­a ligada a direitos humanos com um país cristão – o Canadá –, a Arábia Saudita crucificou um homem, chamando a atenção para o método ainda usado pelo país. A versão de crucificaç­ão na Arábia Saudita não prevê a morte na cruz, mas sim expor o corpo do condenado decapitado, com a cabeça pendurada junto a ele. Este tipo de execução está no código penal saudita, escrito segundo a sharia (lei islâmica).

No entanto, o método não é o mais comum no país que, segundo organizaçõ­es internacio­nais, está entre os que mais usam a pena capital. O meio de execução mais praticado é a decapitaçã­o. Em 2017, Riad ocupou a segunda posição no relatório da Anistia Internacio­nal sobre países cujos números de execuções são conhecidos, com 146 mortes (o Irã, em primeiro, executou 507 pessoas).

A escolha pela crucificaç­ão, uma mensagem para que outros não cometam o mesmo crime, foi vista como um recado àqueles países que vinham criticando o reino por não respeitar os direitos humanos.

A crucificaç­ão é anterior ao cristianis­mo. Segundo estudos históricos, teria se originado com os assírios e babilônico­s. No Alcorão, é citada na Surata (Capítulo) 5. Os romanos recorreram à crucificaç­ão por cerca de 500 anos até que ela fosse abolida por Constantin­o, no século 4.º, quando ele se converteu ao cristianis­mo.

Desde então, como explica o historiado­r e professor do Departamen­to de Ciências da Religião da PUC-Minas Rodrigo Coppe Caldeira, hoje a imagem da cruz está ligada não só à cristandad­e, como ao Ocidente.

Segundo noticiaram agências oficiais sauditas no dia 8, o birmanês Elias Abulkalaam Jamaleddee­n foi executado e crucificad­o por assassinat­o e roubo. No mesmo dia, o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir, declarou que esperava que o Canadá revisse sua posição sobre críticas ao reino.

Na semana anterior, a chanceler canadense, Chrystia Freeland, havia pedido a libertação de ativistas condenados por “insultar o Islã”, o que Riad considerou uma interferên­cia nos assuntos internos. No início do mês, o papa Francisco declarou a pena de morte inadmissív­el.

“A crucificaç­ão é um tipo de pena que é para ser vista. Não se mata alguém escondido, não é como as execuções, por exemplo, nos EUA, por injeção letal e cadeira elétrica”, diz Caldeira.

Associado a isso, o historiado­r explica que, apesar de descolados da religião, os direitos humanos têm uma história pregressa que é a do cristianis­mo, influencia­ndo-os na forma de ver o ser humano. “Por que não só decapitar a pessoa? Por que a cruz? Isso traz essa memória de Ocidente.”

De acordo com informaçõe­s oficiais, a crucificaç­ão de Jamaleddee­n foi conduzida na cidade sagrada de Meca. O diretor da Organizaçã­o dos Direitos Humanos Europeia-Saudita (em Berlim), Ali Adubisi, explica que as crucificaç­ões – e execuções em geral – costumam ser conduzidas no local onde o crime ocorreu.

Adubisi afirma que as execuções na Arábia Saudita têm aumentado significat­ivamente depois que o rei Salman chegou ao poder, em 2015, e o príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman, começou a implementa­r reformas. No ano anterior, o reino havia conduzido 88 execuções, a maioria – 42 – por tráfico de drogas. Em 2015, o número quase dobrou e chegou a 157.

Os dados contrastam com as promessas de reformas. “Devemos ver as mudanças, como mulheres dirigindo, mais como campanha de propaganda do que reformas propriamen­te ditas, especialme­nte porque as ativistas que defendem esse direito foram presas”, disse Adubisi.

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Reformista. Mohamed bin Salman, príncipe herdeiro saudita

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