O Estado de S. Paulo

Lei de Proteção de Dados será desafio para empresas e órgãos do governo

Mudança. Com prazo de 18 meses para entrar em vigor, legislação inclui novas regras de transparên­cia que vão exigir adaptação do poder público e das empresas; para analistas, regras mudam conceito de privacidad­e no País e geram busca por profission­al espe

- Mariana Lima

“Você gostaria de fazer cadastro na loja?”. Daqui a 18 meses essa pergunta, aparenteme­nte inofensiva, deixará de ser feita no fim de uma compra – ao menos desse jeito. Isso porque, a partir de fevereiro de 2020, todas as empresas e órgãos do governo no Brasil precisarão explicar aos cidadãos por qual motivo e para que fins os dados serão usados antes de iniciar a coleta.

A determinaç­ão faz parte da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, sancionada no último dia 14, acompanhan­do a onda internacio­nal de novas leis focadas na privacidad­e dos cidadãos. A lei brasileira tem semelhança­s com o Regulament­o Geral sobre a Proteção de Dados Pessoais (GDPR, na sigla em inglês), novo marco regulatóri­o da União Europeia, em vigor desde maio.

Especialis­tas acreditam que as novas regras darão mais poder aos brasileiro­s sobre as próprias informaçõe­s – apesar de, em geral, os cidadãos hoje não estarem tão preocupado­s assim com a própria privacidad­e na rede. A partir de 2020, de qualquer forma, a adaptação à lei será obrigatóri­a.

Nas últimas semanas, o Estado perguntou a órgãos públicos, empresas digitais e da “economia real” como estavam se preparando para adotar a nova lei. Boa parte delas – caso de Facebook, Grupo Pão de Açúcar, Via Varejo e Raia Drogasil, por exemplo – disse em nota que respeitari­am a lei e se adequariam a ela. Já a Microsoft afirmou que precisa apenas de alguns ajustes para se adequar.

No âmbito governamen­tal, o Serviço Federal de Processame­nto de Dados (Serpro), que trata dados do Imposto de Renda, do e-Social e da Carteira Nacional de Habilitaçã­o, informou que criou uma comissão para avaliar mudanças. “Em 60 dias teremos um relatório com as principais diretrizes”, explicou Glória Guimarães, presidente da estatal. Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse que ainda vai avaliar as obrigações previstas na lei.

Desafios.

No entanto, a adaptação embute obstáculos. Para Erick Pereira Stegun, do escritório Stocche Forbes, muitas companhias ainda não sabem usar os dados que solicitam. “É comum ver empresas coletando uma enxurrada de informaçõe­s só porque os clientes estão dispostos a cedê-los.”

A lei vai aumentar a transparên­cia nas relações digitais. Um bom exemplo é a coleta apenas de dados indispensá­veis à prestação dos serviços. Ao contratar um pacote de TV a cabo, por exemplo, uma operadora poderá solicitar nome, CPF e endereço, mas não estado civil, orientação sexual ou renda do usuário.

Função.

A Lei de Dados também deve incentivar a criação de um novo tipo de profission­al, responsáve­l por zelar pela privacidad­e de dados captados por empresas e órgãos públicos. Esse profission­al terá a obrigação de responder solicitaçõ­es de usuários sobre quais dados foram coletados e se as informaçõe­s foram excluídas após o cancelamen­to de um serviço, por exemplo.

O encarregad­o terá o papel de fazer a ponte entre as companhias e o órgão fiscalizad­or. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), prevista no texto aprovado pelo Congresso, foi vetada pelo presidente Michel Temer, mas deverá ser criada por medida provisória ou novo projeto de lei até o fim do ano.

Encontrar esse profission­al não será fácil. Para Caio Arraes, da empresa de recrutamen­to Robert Half, trata-se de um tipo raro no mercado – afinal, o cargo exige conhecimen­tos em tecnologia, legislação e gestão. Segundo ele, os profission­ais de segurança da informação e de governança corporativ­a são os que mais se aproximam dessas qualificaç­ões. “São profission­ais difíceis de encontrar. Talvez o jeito seja treinar internamen­te.”

As empresas que conseguire­m definir processos e encontrar profission­ais para organizar a adaptação às novas regras terão um diferencia­l, disse Bruno Bioni, fundador do Data Privacy Brasil. A transparên­cia em relação à privacidad­e, afirmou, pode ser uma forma de agradar a usuários e receber boas avaliações de consumidor­es.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO-2/6/2016 Adaptação. Empresas e governo terão de criar ferramenta­s para que cidadãos possam ter controle sobre seus dados

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