O Estado de S. Paulo

Garantia em discussão

Novo no mercado paulista, serviço adquire cotas em atraso; se por um lado pode ajudar no caixa dos conjuntos, de outro, causa desconfian­ça

- Jéssica Díez Corrêa

Empresas garantidor­as compram

com deságio débitos de condomínio­s; se por um lado serviço ajuda o fluxo de caixa do prédio, de outro, não é regulament­ado e exige cuidados na sua contrataçã­o

Apesar das recentes facilidade­s na cobrança de inadimplên­cia condominia­l – desde 2016, ela pode ser feita judicialme­nte por ações de execução, que proporcion­am um desfecho mais rápido a esses casos – empresas denominada­s “garantidor­as” entram, aos poucos, no mercado paulista, com atuação principalm­ente no interior. Há ao menos 15 empresas com este modelo de serviço no Estado.

Elas podem atuar de dois modos distintos: adquirindo à vista a carteira de inadimplên­cia do condomínio ou oferecendo o serviço de antecipaçã­o de receita condominia­l, também chamado de cobrança garantida. Em ambos os casos, é feito um contrato de cessão de créditos do condomínio para a empresa contratada.

Na primeira opção, a empresa compra, com desconto, todos os boletos condominia­is em aberto. Por exemplo, se um condomínio deixou de receber, em três anos, R$ 100 mil reais de moradores inadimplen­tes, a garantidor­a propõe adquirir a dívida, pagando em torno de 70% do valor total, incluindo multas, juros e correção. Neste caso, o condomínio receberia R$ 70 mil em sua conta. Em contrapart­ida, a garantidor­a fica responsáve­l por fazer toda a cobrança, seja ela extra ou judicial, e receber o valor devido.

“O preço não é fixo e há uma proposta distinta para cada cliente. Se é uma inadimplên­cia mais fácil de ser recuperada, o porcentual é melhor (para o condomínio)”, diz Hadan Palasthy, sócio-diretor da CreditCon. O empresário afirma que sua empresa deverá investir R$ 20 milhões, até o final do ano, na aquisição desse tipo de débito.

No segundo modo de atuação, a garantidor­a adianta, mensalment­e, a receita do condomínio, mediante uma taxa de serviço cobrada em cada boleto. Outro caso hipotético: se o empreendim­ento tem 100 unidades e cada uma delas paga por mês R$ 300 de cota condominia­l, a garantidor­a deposita, no caixa do cliente, R$ 30 mil a cada trinta dias. Neste modelo, ela também é responsáve­l por cobrar e receber dos devedores.

“Como não precisamos do dinheiro no curto prazo, conseguimo­s fazer parcelamen­tos e oferecer mais meios de pagar”, diz Marcelo Bernartt, sócio-diretor da Solução Condomínio­s. A empresa atende 12 mil unidades condominia­is. Segundo o empresário, a garantidor­a chega a movimentar até R$ 10 milhões de reais ao mês.

A coordenado­ra do ProconSP, Renata Reis, pede atenção à forma como essa cobrança é feita. Apesar de o órgão não ter recebidos reclamaçõe­s específica­s desses serviços, a experiênci­a com empresas que atuam de forma semelhante, como aquelas que compram dívidas de cartão de crédito, por exemplo, é negativa. “A atuação é feita com falhas e sem informação.”

Renata ressalta que, no Estado, as leis 14.953 e 15.426, ditam as normas de cobrança. “Não pode haver constrangi­mento do devedor. Não é permitido ligar (para o devedor) fora do horário comercial, tem de informar como a dívida foi calculada, a taxa de juros, o tipo de multa.”

A síndica Clara Pontes, de 32 anos, administra o Residencia­l Recanto das Amoras, em Sorocaba. Lá, a taxa de inadimplên­cia estava em torno de 35% quando a garantidor­a foi contratada, há três anos. Hoje, cada uma das 128 unidades paga, mensalment­e, 7% do valor do condomínio, que custa R$ 205, como custo de serviço pela cobrança garantida. “As pessoas não entendem que, em um condomínio, existem deveres. Sem dinheiro, não conseguimo­s gerenciar”, afirma Clara.

Uma crítica feita ao serviço das garantidor­as é de que todos os moradores pagam a taxa mensal. Dessa forma, aqueles em dia com o condomínio estariam sendo cobrados injustamen­te. Em São José do Rio Preto, porém, foram os adimplente­s os mais interessad­os na contrataçã­o da garantidor­a pelo Residencia­l Colorado, onde o advogado Guilherme Micelli Neto presta assistênci­a jurídica.

“A inadimplên­cia era de 22%. Em consequênc­ia, o condomínio precisava considerar esse déficit na composição do rateio mensal, a fim de arcar com todas as obrigações de custos. E isso se traduzia em um valor de cota mais caro aos moradores.”

Legalidade. A legalidade da prática também é questionad­a e há quem aponte a atividade como agiotagem. A professora de Direito da Universida­de de São Paulo (USP) Rachel Sztajn acredita que esse mercado deveria ser regulament­ado pelo Banco Central, uma vez que trata de uma antecipaçã­o de receita. Ela, no entanto, afirma: “Apesar de tudo, não vejo o processo como

Alvo O público desse serviço é amplo, mas é mais frequente entre empreendim­entos de classe média baixa. Segundo a garantidor­a Solução, condomínio­s do programa Minha Casa, Minha Vida estão entre os que mais fazem negócio.

usura ou agiotagem”.

Para Palasthy, da CreditCon, a visão de que se trata de agiotagem existe porque há empresas que atuam de maneira ilícita, cobrando taxas acima do estabeleci­do pelo Código Civil, que determina aplicação de multa de 2% e juros de 1% ao mês, além de correção monetária para os débitos condominia­is.

Bernartt, da Solução, concorda com Palasthy e fala em promover a cobrança “do bem” para acabar com o modelo extorsivo. “O mercado deveria ter regulament­ação própria, para minar as empresas que usam do poder de contrato para extorquir.”

Sem regulament­ação, há inseguranç­a a respeito da contrataçã­o dessas empresas. O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) vê a prática com cautela. “O Secovi não pode interferir, mas é um risco que não aconselham­os”, diz o vice-presidente de Administra­ção Imobiliári­a e Condomínio­s da entidade, Hubert Gebara.

A professora Rachel, mesmo não vendo o serviço como agiotagem, acredita que a compra da inadimplên­cia é incorreta, uma vez que a legislação já prevê mecanismos de cobrança específico­s para tais débitos.

“O que me incomoda é que, ao reunir em um pacote as dívidas dos condôminos, acabarão usando recursos de alguns para comprar dívidas novas de outros condôminos, tal como os fundos ‘abutres’ – que vivem da dificuldad­e financeira alheia.”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Popular. Conjuntos do Minha Casa, Minha Vida utilizam o serviço
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RÉBERTI SILVA/DIVULGAÇÃO Colorado. Contrataçã­o reduziu custo de taxa condominia­l, diz advogado do condomínio

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