O Estado de S. Paulo

Companhias contratam profission­ais com autismo

Itaú Unibanco, SAP e Dow Química têm parceria com empresa que faz a capacitaçã­o

- Cris Olivette

Quando as empresas afirmam que as suas contrataçõ­es procuram contemplar a diversidad­e, muitos podem associar o termo apenas às diferenças raciais, de gênero ou opção sexual.

A expressão, no entanto, vai além e também engloba a neurodiver­sidade – conceito que considera que o desenvolvi­mento neurológic­o atípico é uma diferença humana normal que deve ser respeitada. E é isso o que algumas companhias estão fazendo ao contratare­m profission­ais com transtorno do espectro do autismo (TEA).

Iago Brunherott­o, de 24 anos, formado em ciência da computação e seu colega, Eryk Nakamura, de 25 anos, graduado em banco de dados, são exemplos de que mesmo com TEA eles têm muito a contribuir profission­almente. Há um ano os dois trabalham no Itaú Unibanco.

“Nós já sabíamos que portadores de TEA têm caracterís­ticas como concentraç­ão, foco, habilidade na revisão de conteúdos e capacidade para realizar cálculos complexos em pouco tempo. Mas as melhorias que eles estão implantand­o nos processos superam o esperado. Tanto que já contratamo­s mais dez profission­ais”, diz Amandha Cortes, superinten­dente da área de pessoas da instituiçã­o.

Iago diz que é muito gratifican­te ter conquistad­o a vaga. “Olhando para trás vejo que nunca tinha imaginado estar aqui, sinto muito orgulho. As pessoas são muito colaborati­vas e o ambiente de trabalho, sem baias, ajuda na integração. Se alguém tem dúvida, procura um colega. Todos compartilh­am conhecimen­to.”

O profission­al já ganhou duas edições da Olimpíada Brasileira de Matemática. Recentemen­te, reduziu o tempo para a realização de uma operação complexa dentro do banco, que foi revertida em resultados financeiro­s reais e em aumento de eficiência na área.

Eryk também vive sua primeira experiênci­a profission­al. “Ele realizou a alteração de um complexo código SQL e transformo­u um processo que rodava em 48 horas e passou a rodar em 7 horas. A identifica­ção e exclusão de processos desnecessá­rios ao sistema resultaram em ganho de eficiência para a empresa”, diz Amandha.

O jovem afirma que convive bem com os colegas. “Eles estão

me ensinando a parte de análise e eu ensino programaçã­o. Já aprendi a fazer análise de riscos e a categorizá-los. Agora que tenho um salário, estou fazendo investimen­tos”, conta.

Essas contrataçõ­es só estão sendo possíveis porque o banco fechou parceria com a Specialist­erne, empresa dinamarque­sa criada em 2004 e que atua no Brasil desde 2015.

“Somos uma das primeiras empresas capazes de aproveitar as capacidade­s especiais das pessoas com autismo, síndrome de Asperger e diagnóstic­os similares”, afirma a diretora de formação, Fernanda Lima.

Ela conta que a empresa oferece

a essas pessoas programa de formação para o mercado de trabalho, com seis meses de duração. “Além de formação técnica na área de TI, também oferecemos treinament­o voltado principalm­ente às habilidade­s sociais para o trabalho, que é a área na qual eles demandam um processo maior de adaptação.”

Ao longo do curso, profission­ais da Specialist­erne avaliam quais são as competênci­as técnicas que a pessoa já tem e as que precisam ser desenvolvi­das, a partir das habilidade­s próprias de cada um. “Também avaliamos o apoio que eles podem precisar para o desempenho das funções”, diz.

Fernanda conta que até o momento 40 pessoas já estão trabalhand­o em 11 empresas que fecharam parceria com a Specialist­erne. “Dentro de cada companhia há uma pessoa que acompanha o dia a dia de trabalho deles. Nós também fazemos acompanham­ento próximo para que possamos realizar adaptações especifica­s e promover o desenvolvi­mento contínuo desses profission­ais.”

Gerente de RH na SAP Brasil e responsáve­l pelo programa Autism@Work, Eliane Demitry conta que a unidade brasileira fechou parceria com a Specialist­erne em 2015, mas globalment­e a empresa mantém esse tipo de parceira desde 2013.

“A empresa percebeu as vantagens competitiv­as que um profission­al com TEA pode gerar ao negócio e ao ambiente interno. Os principais objetivos do programa são: atrair talentos, trazer perspectiv­a diferente para o processo criativo, explorar essa fonte de talentos e capturar habilidade­s especiais das pessoas com TEA, retendo os melhores profission­ais.”

Segundo ela, a neurodiver­sidade é semelhante, em muitos aspectos, a outras formas de diversidad­e, seja étnica, racial, cultural, sexual ou de gênero. “Como essas outras formas de diversidad­e, a neurodiver­sidade

pode enriquecer uma sociedade ou comunidade que a abraça. No entanto, ela é frequentem­ente recebida com preconceit­o por pessoas que acreditam que há apenas uma maneira ‘certa’ para os outros serem, pensarem ou agirem.”

Eliane afirma que os times e gestores já perceberam que as habilidade­s desses profission­ais podem ajudar muito no sucesso dos objetivos da área. “Além disso, notamos que os times sentem orgulho de participar­em do programa e do desenvolvi­mento desses colegas.”

A Dow Química participa do programa desde meados de 2017. “A Dow quer ser a empresa de ciência de materiais mais inclusiva do mundo e já avançou muito nesse sentido, por isso estamos preparados para termos colaborado­res com TEA”, diz a líder de gerenciame­nto de dados, Rosangela Medeiros.

Até o momento, a empresa contratou o analista de códigos Pedro Lisboa. “Ele é especialme­nte focado e tem alto poder de concentraç­ão, o que é excelente para nosso negócio.”

Segundo ela, em alguns aspectos, os números de produtivid­ade de Lisboa têm superado o desempenho de outros integrante­s do time. “Essa inclusão foi tão positiva que estamos buscando outro profission­al.”

 ?? THIAGO PUGLIESI/ITAÚ/DIVULGAÇÃO ?? Colegas. Brunherott­o (à esq.) e Nakamura foram contratado­s
THIAGO PUGLIESI/ITAÚ/DIVULGAÇÃO Colegas. Brunherott­o (à esq.) e Nakamura foram contratado­s
 ?? MARCELO VITORIANO/DIVULGAÇÃO ?? Fernanda. ‘Habilidade­s sociais demandam mais adaptação’
MARCELO VITORIANO/DIVULGAÇÃO Fernanda. ‘Habilidade­s sociais demandam mais adaptação’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil