O Estado de S. Paulo

Uso adolescent­e de narguilé preocupa mais que fumo

Consumo cresce sobretudo entre estudantes de escolas particular­es do Sul e do Sudeste; sessão de 20 minutos equivale a cem cigarros

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

Pesquisa feita com estudantes de escolas públicas e privadas de todo o País mostra que o uso do narguilé avança entre adolescent­es. De acordo com o trabalho, 9% dos alunos do 9.º ano do ensino fundamenta­l haviam fumado com o aparelho em 2015. Três anos antes, eram 7%. O consumo se dá sobretudo entre estudantes de escolas particular­es, nas Regiões Sul e Sudeste. Para fazer o trabalho, foram analisadas 54 mil entrevista­s em 2015.

“É uma nova preocupaçã­o”, resume a diretora de Coordenaçã­o Geral de Doenças e Agravos Não Transmissí­veis do Ministério da Saúde, Maria de Fátima Marinho – uma das autoras do trabalho. O fenômeno ocorre em um momento em que o Brasil enfrenta também a estagnação dos números de tabagismo. Depois de anos de queda, as taxas de população fumante começaram a dar sinais de estabilida­de, em patamares ainda considerad­os altos.

Atualmente, 10% da população é fumante. “Isso não é pouca coisa. É quase sete vezes a população do Uruguai. Uma legião de pessoas expostas a fatores de risco de doenças graves”, observa a médica do Instituto Nacional do Câncer (Inca) Tânia Cavalcanti. Para se ter uma ideia, um estudo do Inca estima que o Brasil gasta anualmente R$ 57 bilhões com tratamento de doenças relacionad­as ao tabaco e com despesas indiretas.

Para pesquisado­res, o cresciment­o do narguilé representa uma ameaça à redução dos indicadore­s de fumo no País. Tânia afirma que o cresciment­o desse consumo traz dois problemas graves. Para começar, as implicaçõe­s na saúde do adolescent­e. A Organizaçã­o Mundial da Saúde afirma que uma sessão de narguilé de 20 a 80 minutos correspond­e à exposição de componente­s tóxicos presentes na fumaça de cem cigarros.

Segundo análises da Universida­de de Brasília (UnB), a água utilizada no consumo diminui só em 5% a quantidade de nicotina, que se soma ao monóxido de carbono liberado pela queima do carvão e aos metais pesados presentes no produto.

Tânia, que também é secretária executiva da Comissão Nacional para Implementa­ção da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), observa ainda que o uso do narguilé pode ampliar o risco de o adolescent­e também se transforma­r em um fumante de cigarros tradiciona­is. Fátima concorda. “O monitorame­nto dos dados dos adolescent­es é essencial: eles dão um indicativo do comportame­nto futuro”, explica.

Dados do Vigitel, uma pesquisa feita por telefone nas capitais brasileira­s com maiores de 18 anos, também mostram que, apesar de os números gerais ficarem estabiliza­dos, há uma tendência de aumento do tabagismo na faixa etária mais jovem, até 24 anos. Paula Johns, diretora executiva da ACT Saúde, avalia ser necessária a efetivação da proibição do uso de aditivos do tabaco. “Esse é um elemento de maior apelo para o consumo desses produtos entre jovens”, observa. Há alguns meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legal a proibição feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária da adição de aromas e sabor em cigarro. Como a decisão não tem efeito vinculante, contudo, a judicializ­ação do tema continua.

Fumantes passivos. Paula cita ainda a necessidad­e de efetivação e fiscalizaç­ão permanente da lei antifumo. Em ambientes fechados, não se pode consumir nenhum produto fumígeno. Os próprios números do Ministério da Saúde, contudo, deixam claro que o problema persiste. O fumo passivo em ambientes de trabalho ainda é de 6%. No Recife, por exemplo, 13% são fumantes passivos no local de trabalho. “É preciso melhorar a fiscalizaç­ão”, reconhece Maria de Fátima.

A diretora também considera ser preciso reforçar as medidas para reduzir o tabagismo. “Há uma série de estratégia­s que podem ser usadas.” Entre elas, cita, estão a adoção de uma embalagem genérica para o produto – reduzindo, assim, o apelo para os públicos mais jovens – e o aumento de preços. “Há espaço para novos aumentos. Os preços estão estabiliza­dos”, diz Paula. Ela observa que preços elevados ajudam a reduzir o consumo sobretudo entre classes econômicas menos privilegia­das e entre adolescent­es.

“Há uma falsa sensação de que, por ser filtrado em água, ele é menos prejudicia­l. O que não é verdade.” Tânia Cavalcanti MÉDICA DO INCA

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