O Estado de S. Paulo

É fundamenta­l que indicações para as agências reguladora­s tenham a mesma seriedade das escolhas do BC e da CVM.

- Elena Landau

Há um personagem ausente nos debates sobre reforma do Estado: as agências reguladora­s. Elas foram criadas no governo FHC na forma de autarquias independen­tes, livres da tutela do governo e da influência política. Um marco institucio­nal adequado para a gestão privada das concessões públicas e importante para garantir de forma imparcial a execução dos contratos de concessão.

Hoje atuam de forma muito distante dos seus princípios norteadore­s. Além do processo contínuo de contingenc­iamento de receitas, passaram a ter vinculação com os ministério­s setoriais, o que diminuiu a independên­cia frente aos ditames do governo de ocasião.

O presidente Lula logo ao assumir, ao saber de um reajuste de tarifas de energia homologado pela Aneel, reclamou “que não havia sido consultado”, mostrando de partida desconheci­mento – ou inconformi­smo – com a autonomia destas autarquias.

Esse desvirtuam­ento recebeu a pá de cal final no atual governo com a captura definitiva através da indicação política de diretores. O toma lá dá cá de Temer tornou regra o que era até então exceção.

Mas, paradoxalm­ente é neste governo que o projeto de lei 6621/16, também conhecido como A Lei Geral das Agências Reguladora­s andou. Apesar da grave intenção de revogar parte importante da lei das estatais, como a vedação para contrataçã­o de administra­dores que tenham participad­o de atividade política nos últimos 36 meses, há avanços no PL. Os destaques são novos requisitos para os cargos de diretores e a reafirmaçã­o da autonomia financeira e técnica.

A experiênci­a recente do setor elétrico mostra que o fim da tutela hierárquic­a ao ministério setorial também é um passo fundamenta­l. Um exemplo eloquente foi a intervençã­o nos preços de energia implementa­da pela MP 579 no governo Dilma. A Aneel – agência reguladora do setor – mostrando total submissão aos objetivos políticos do governo de então, endossou a medida, apesar dos efeitos – previsivel­mente – catastrófi­cos.

Desde então, toda essa ineficiênc­ia e desequilíb­rios do setor vêm sendo empurrados para o consumidor através de aumento de encargos, via CDE (Conta de Desenvolvi­mento Energético). Valores bilionário­s de subsídios e riscos setoriais explicam boa parte do choque nas tarifas de energia elétrica: subiram em média 83% entre março de 2013 a junho de 2018, contra uma inflação de 36%.

A sujeira regulatóri­a embaixo do tapete acumulou tanto que começou a aparecer e a sociedade vem reagindo aos aumentos na conta de luz. Mas é também do regulador a responsabi­lidade pelos desajustes e prejuízos que marcam o setor elétrico nos anos recentes.

Outro exemplo recente foi a greve dos caminhonei­ros. O tabelament­o de fretes foi decidido sem que reguladore­s fossem ouvidos. E mais, a Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) foi determinad­a por lei a regulament­ar o frete mínimo. Ficou explícito que o governo vê as agências como departamen­tos do Executivo.

Esta herança maldita vai demandar muita atenção do próximo governo.

Daí a importânci­a do PL, que adotou critérios para indicação já utilizados no modelo bem-sucedido da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM): mandatos de cinco anos, não coincident­es, e experiênci­a na área de atuação da agência. A alternânci­a de cargos diminuiu o risco de captura política por um governo e permite o descasamen­to de mandatos na agência com mandatos presidenci­ais.

É fundamenta­l que o Executivo passe a encarar a indicação de nomes para as agências reguladora­s de serviços públicos com a mesma seriedade que trata os nomes para compor a diretoria do Banco Central e da CVM. O Legislativ­o precisa organizar sabatinas com o mesmo rigor a que submetem as novas autoridade­s financeira­s. Os xerifes do setor financeiro estão fora do alcance dos políticos. Nomes de excelência são indicados e sua independên­cia é visível.

Por que definição de tarifas elétricas, acesso à banda larga, qualidade na prestação de serviços e custos dos planos de saúde são encarados com menos importânci­a do que a regulação do sistema bancário e do mercado de capitais? Os demais serviços públicos não são de segunda categoria para tanto descaso. O consumidor também paga muito caro por eles e tem o direito de receber serviços de qualidade. De nada adianta uma nova lei se não houver essa mudança cultural e o Senado deixar de cumprir seu papel com a responsabi­lidade que o tema exige.

Ficou explícito que o governo vê as agências como departamen­tos do Executivo

ECONOMISTA E ADVOGADA

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