‘Plano infalível’
Turma da Mônica volta ao mundo dos games.
Esta é a história de mais um plano infalível nascido no Bairro do Limoeiro: a Turma da Mônica vai invadir o mundo dos games. Mas, ao contrário das ideias mirabolantes do Cebolinha para roubar Sansão, o coelho azul da Mônica, é uma estratégia que tem chances de dar certo. Após montar uma área específica para criar jogos e aplicativos, a Mauricio de Sousa Produções (MSP) pretende lançar oito títulos, para consoles e celulares, até o fim de 2019.
“A ideia do Mauricio é estar presente em todas as plataformas que o público dele está”, diz Marcos Saraiva, gerente da área digital da MSP e neto do quadrinista. “O adulto que joga videogame leu a Turma na infância. Agora, ele consome outros produtos”, afirma o executivo, que diz ter ideias para os próximos cinco anos. A primeira chega ao mercado em dezembro: o jogo Mônica e a Guarda dos Coelhos, feito em parceria com o estúdio paulistano Mad Mimic.
Com versões para PlayStation 4, PCs e Nintendo Switch, o jogo é um convite para que amigos se divirtam juntos, em um gênero chamado de “multiplayer de sofá”. Até quatro amigos poderão incorporar os personagens da Turma para lutarem contra “um exército de sujeira”.
Em série. O jogo aproveita parte das ideias do primeiro título da Mad Mimic, No Heroes Here, lançado no fim de 2017. É uma coprodução: a MSP entra com o roteiro, o licenciamento e supervisiona o projeto – com o olhar atento de Mauricio de Sousa em todas as etapas. Já o estúdio é responsável por desenvolver arte e programação, além de financiar o projeto. “A partir de um jogo que já tem uma base de fãs, o risco de dar errado diminui para a MSP”, avalia Sandro Manfredini, presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames).
As empresas não revelam valores, mas, segundo apurou o Estado, o custo médio para realizar, no Brasil, um jogo com o porte de Guarda dos Coelhos gira em torno de R$ 500 mil. Já a criação de um jogo para celular de qualidade fica em torno de R$ 100 mil. “Hoje, todo mundo tem um celular na mão. Se não estivermos no mobile, ficaremos para trás”, diz Saraiva. “Queremos ter um jogo novo a cada dois meses.”
Segundo fontes próximas ao assunto, a MSP trabalha com o estúdio paulistano Cat Nigiri para a criação de um jogo de plataforma, à moda do encanador Mario, no qual os usuários poderão criar fases e compartilhá-las com amigos. Procuradas pelo Estado, as duas empresas não comentam o projeto.
Vida nova. Não é a primeira vez que a Mônica vai ao mundo dos jogos. Nos anos 1990, a “baixinha e dentuça” protagonizou três títulos da brasileira Tectoy (leia mais ao lado). Recentemente, foi também motivo de apps e games. Mas agora, diz a MSP, é diferente. “Eram títulos que só adaptavam o que havia no mercado, sem pensar na identidade da Turma”, diz Saraiva. É ele, aos 32 anos, quem lidera a renovação digital da empresa, cuidando de redes sociais e do YouTube, onde a MSP soma 9,5 bilhões de visualizações.
Além dos games, há planos para colocar cada vez mais conteúdo da Turma na internet. Saraiva não descarta, no longo prazo, o lançamento de um serviço de streaming com quadrinhos, animações e filmes criados a partir dos personagens do avô, como farão Disney e DC Comics.
Obstáculos. Há quem possa dizer que a MSP chegou tarde aos games. Para André Pase, professor da PUC-RS, o que importa mesmo é o nível de qualidade dos jogos. “Se o primeiro jogo for ruim, pode-se frustrar a expectativa dos fãs e estragar toda uma estratégia de longo prazo”, afirma. Na visão do especialista, a empresa faz sua aposta na hora certa até pelo momento da indústria local – nos últimos três anos, mais de uma dezena de jogos brasileiros chegaram a consoles como PS4 e Xbox One, num ritmo de produção que não existia antes.
Para a indústria local, a Mônica pode ajudar a romper um preconceito – o de que o público brasileiro não joga os games produzidos aqui. “É uma síndrome de vira-lata”, avalia Ariel Velloso, coordenador da área de games da Spcine, agência de fomento ao audiovisual da cidade de São Paulo. “Mas se tem uma franquia brasileira que sabe entrar em qualquer mercado é a da Mônica, de fralda a molho de tomate.”
Por outro lado, faturar com games para smartphones pode ser um desafio. Saraiva diz que pretende trabalhar com microtransações, compras de baixo valor com itens que podem ser usados nos jogos, ou com venda de conteúdo adicional, como novas fases. São modelos interessantes, por fugirem de anúncios, mas com baixa adesão no País. “O consumidor brasileiro, em especial o que usa o sistema Android, cuida muito sobre como gasta seu dinheiro. Joga-se muito aqui, mas paga-se pouco”, avalia Pase.
É um risco que a MSP está disposta a enfrentar – e Saraiva, especialmente, sabe da chance que tem de levar “coelhadas” do avô. Agora, no entanto, é hora de apertar start.