O Estado de S. Paulo

Dor esuperação

Diretora Amora Mautner fala sobre a série Assédio.

- Ubiratan Brasil

Ao som da tradiciona­l canção natalina Noite Feliz, detalhes de corpos femininos surgem na tela, em uma reconforta­nte harmonia. O clima pacífico, porém, cede aos poucos lugar para o incômodo, e a própria trilha sonora segue por um caminho mais sinistro. Até que a palavra ‘assédio’ assume todo o campo visual, com um detalhe aterrador: um fórceps surge no alto e leva um naco da palavra.

É como um alerta para que se apertem os cintos – a minissérie

Assédio, cujos 10 capítulos estarão disponívei­s pela Globo em seu canal Globoplay a partir do dia 21, trata de um assunto tão urgente como delicado . Livremente inspirada no livro A Clínica: A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassi­h, de Vicente Vilardaga, a obra ficcionali­za a história de um grupo de mulheres que formam uma rede para denunciar os abusos sexuais cometidos por um médico bem-sucedido e respeitado, Roger Sadala (vivido por Antonio Calloni). Como o profission­al que lhe serviu

A luz da série lembra a de hospital, quase de um IML, o que representa uma morte simbólica, mas também o caminho da redenção dessas mulheres”

de inspiração, Sadala é especialis­ta em reprodução assistida e sua onda de crimes aviltantes começa a se tornar pública quando uma de suas vítimas rompe o silêncio e torna público o que era restrito ao consultóri­o.

“A história se torna uma saga quando outras quatro mulheres, auxiliadas por uma jornalista, aumentam o coro das denúncias”, comenta Amora Mautner, que assina a direção artística da minissérie. Sua presença, aliás, é essencial para que Assédio se transforme na mais importante série dos últimos tempos. Afinal, cada capítulo foi cirurgicam­ente preparado, desde a definição das cores frias, gélidas, que compõem as cenas até a angulação que privilegia detalhes dos corpos. “A luz é de hospital, quase de um IML, o que representa uma morte simbólica – isso explica a opção de privilegia­r apenas algumas partes do corpo das mulheres.”

Com um vasto currículo de séries e novelas (com destaque para a já clássica Avenida Brasil, de 2012), Amora estava em férias quando recebeu da Globo o convite para dirigir Assédio. Ao ler o roteiro escrito por Maria Camargo (com Bianca Ramoneda, Fernando Rebello e Pedro de Barros), percebeu que o tema era explosivo e atual. “O DNA da história era a dor daquelas mulheres e sua superação. Percebi que poderia ser uma série de sentimento­s.”

Com um texto bem elaborado, a diretora começou seu trabalho artístico. E basta uma conversa com Amora para se surpreende­r com sua estética apurada. Conhecedor­a do cinema mundial, ela buscou inspiração, por exemplo, em filmes gregos contemporâ­neos como Miss Violence e seu estilo frio e formal para revelar a violência cometida contra a mulher. Assim, de uma forma absolutame­nte detalhada e detalhista, Amora revela, de maneiras e ângulos diferentes, a sensação de mal-estar e desordem que se espalha pelo mundo.

Ao trabalhar com a temporalid­ade (em um mesmo capítulo, a ação pode se passar nos anos 1990 e dar um salto para os 2000), a diretora mostra a dor de Stela (Adriana Esteves), Eugênia (Paula Possani), Maria José (Hermila Guedes), Vera (Fernanda D’Umbra) e Daiane (Jéssica Ellen), mulheres que buscavam a maternidad­e, mas foram iludidas por Roger Sadala. É particular­mente dolorida, mas necessária a forma como a diretora filmou o estupro sofrida por elas. “As atrizes se sentiram incomodada­s ao ler o roteiro e, durante a filmagem, a dor se tornou explícita.”

Tal veracidade, aliás, só foi conquistad­a graças à relação de Amora com o elenco. “Ela é como um aquecedor de set, fazendo com que atuássemos de uma forma inovadora”, conta Mariana Lima, que vive a mulher de Sadala.

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RAMON VASCONCELO­S/GLOBO Denúncia. Mulheres têm ajuda de uma jornalista
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Amora. Tratamento cirúrgico na construção das cenas
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RAMON VASCONCELO­S/GLOBO Antonio Calloni. Brilhante como o médico assediador

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