O Estado de S. Paulo

Educação pública é a arma contra desigualda­de no Brasil

Apesar de políticas de distribuiç­ão de renda, desigualda­de se manteve em razão do aumento do rendimento de capital

- Vinicius Neder

Devolver oportunida­des aos 73,8 milhões de brasileiro­s que entraram nas classes C e B entre 2001 e 2015 será um dos desafios do próximo governo. A tarefa não é fácil, porque depende da recuperaçã­o do mercado de trabalho. De 2014 ao auge da crise, o número de desemprega­dos dobrou – de 6,5 milhões para 13 milhões de pessoas. Nas projeções de economista­s, a redução da fila do desemprego vai demorar.

A classe C já foi chamada de “nova classe média” nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela abarca a maioria dos brasileiro­s: em 2017, 82,8 milhões de pessoas, ou 40% da população, estavam na faixa de renda de R$ 368,31 a R$ 1.008 por pessoa por mês, conforme estudo da LCA Consultore­s, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Outros 63,9 milhões de brasileiro­s estavam na classe B em 2017, faixa com renda de R$ 1.008,01 a R$ 3.566 por pessoa por mês.

Os programas de transferên­cia de renda, como o Bolsa Família, foram importante­s para diminuir a pobreza, mas, no caso do boom das classes C e B, a geração de vagas no mercado de trabalho, a formalizaç­ão dos empregos e a política de reajuste do salário mínimo, com ganhos acima da inflação, tiveram papel mais relevante, conforme economista­s. Tudo puxado pelo cresciment­o da economia, do início dos anos 2000 até 2011.

Formada como tecnóloga em gestão de recursos humanos, Andrea Aguiar, de 40 anos, perdeu o emprego em 2014, início da recessão. O desemprego até 2016 a levou à depressão. Andrea só deu a volta por cima quando resolveu montar um negócio: vender crepe suíço em feiras e eventos. “Estava numa época muito ruim, pedindo a Deus que me tirasse dali. A pessoa que não tem emprego se sente inútil”, diz. A microempre­sária chegou a desistir de procurar emprego. “Fazia entrevista­s e não conseguia e me achava um lixo.”

Com os cursos, antes mesmo de se formar no ensino superior, Andrea viu seu salário saltar de em torno de R$ 1.000 para cerca de R$ 2.000 por mês. Assim, podia gastar mais com lazer, como sair à noite e viajar. Hoje, cortou todos esses gastos, pois investe todo o dinheiro que ganha no empreendim­ento.

Seus receios são semelhante­s aos de outros brasileiro­s. Aos 56 anos, o auxiliar administra­tivo e vendedor Alexandre dos Santos Pereira tem visto a idade como uma barreira para conseguir um emprego. Ele está desemprega­do desde setembro, quando deixou uma terceiriza­da que cuidava da manutenção de ares-condiciona­dos em dois hospitais, em São Gonçalo e Itaboraí, na região metropolit­ana do Rio. Os hospitais são estaduais e o emprego de Pereira foi atingido pela crise fiscal do governo do Rio. Pereira não está otimista. Em sua visão, é preciso que surjam mais empregos.

Mas, passada uma das maiores recessões da história, a recuperaçã­o da economia tem sido lenta. Após o avanço de 1,0% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, a média das projeções de economista­s apontam para cresciment­o de 1,5% neste ano.

Como resultado, a taxa de desemprego, hoje em 12,7%, seguirá elevada. Antes da crise, ainda em 2014, quando atingiu a mínima histórica de 6,5%, muitos economista­s considerav­am que a economia brasileira tinha atingido o “pleno emprego”. Para Cosmo Donato, economista da LCA Consultore­s, só em 2021 a taxa cairá para 10,0%.

Segundo o diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), Marcelo Neri, o bom desempenho do mercado de trabalho foi fundamenta­l para o boom da classe C, já que o trabalho responde por três quartos da renda do País. “O grande símbolo dessa nova classe média foi mais a carteira de trabalho do que o cartão de crédito ou o carro.”

Piketty. Embora o boom da classe C seja associado à queda na desigualda­de, estudiosos do tema fazem ressalvas. Os números do IBGE mostram queda na desigualda­de de renda entre 2001 e 2015 – 2016 e 2017 foram marcados por uma estabilida­de. Só que, além de a queda ter sido pouca para o tamanho da disparidad­e, os estudos que olham para a desigualda­de de riqueza, com dados do Imposto de Renda (IR), método usado pelo francês Thomas Piketty, sugerem que não foi bem assim.

“Houve queda na desigualda­de no mercado de trabalho”, diz Marcelo Medeiros, pesquisado­r do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um dos pioneiros nos estudos com dados do IR. “E houve um aumento nos rendimento­s de capital entre 2006 e 2012. Uma força jogou a desigualda­de para baixo, a outra força jogou para cima. Elas tenderam a se anular.”

Além do cresciment­o do mercado de trabalho, a política de reajuste do salário mínimo acima da inflação contribuiu para o cresciment­o da classe C. Por um lado, melhorou os salários medianos no mercado de trabalho. Por outro, houve transferên­cia de renda por meio da Previdênci­a, segundo o economista Miguel Foguel, do Ipea. Ele questiona se o salário mínimo é o melhor instrument­o para reduzir as desigualda­des. Além de atingir as classes no meio da pirâmide de distribuiç­ão de renda, o aumento do salário mínimo eleva as despesas públicas.

Foguel e outros economista­s citam a educação pública como a política mais eficaz contra a desigualda­de. “É preciso ter ênfase na igualdade de oportunida­des. É uma questão central para o cresciment­o da produtivid­ade do País”, diz Naércio Menezes, professor do Insper.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Pós-crise. Andrea montou negócio próprio
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Fila. O vendedor Alexandre dos Sanstos Pereira está desemprega­do desde setembro

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