O Estado de S. Paulo

Paraíso financeiro de ditadores, Suíça tenta limpar ficha

Virando a página. Governo suíço tenta mudar imagem de maior lavanderia de dinheiro do mundo e se mobiliza para confiscar bilhões de dólares de déspotas; devolver as fortunas para os países de origem, no entanto, tem sido mais difícil do que se imaginava

- Jamil Chade

Considerad­a a maior lavanderia de dinheiro do mundo, paraíso financeiro para quem quer esconder sua fortuna, a Suíça quer mostrar que se mobiliza para confiscar bilhões de dólares em nome de ditadores. Desde 2016, a tarefa de identifica­r contas de déspotas virou lei e passou a ser prioridade de sua política externa. Mas a devolução dos valores não tem sido simples.

Os suíços dizem que já restituíra­m US$ 2 bilhões, mais do que qualquer outro país. Mas o valor é uma fração mínima dos US$ 7,2 trilhões sob gestão dos bancos suíços, segundo a Associação Suíça de Banqueiros.

Só no caso dos ditadores derrubados pela Primavera Árabe, a Suíça confirma o congelamen­to de US$ 570 milhões em nome do egípcio Hosni Mubarak e seus aliados, US$ 60 milhões de Ben Ali, da Tunísia, US$ 90 milhões do líbio Muamar Kadafi e US$ 120 milhões do atual presidente da Síria, Bashar Assad.

Outro orgulho dos suíços é a transferên­cia de US$ 93 milhões ao Peru, em 2006. O dinheiro estava em nome de Vladimiro Montesinos, braço direito do ex-ditador Alberto Fujimori. E também o de Sani Abacha, que comandou a Nigéria entre 1993 e 1998: US$ 700 milhões foram congelados no final dos anos 90. Em 2016, tudo foi devolvido.

Ao Estado o Departamen­to de Relações Exteriores do país, em Berna, alegou que hoje a devolução de dinheiro roubado por ditadores faz parte das diretrizes da política externa – e não é só uma questão apenas para os tribunais.

No combate à corrupção, a Suíça adotou a prevenção para impedir que fundos de ditadores entrem no sistema financeiro. Caso os ativos furem as barreiras, medidas repressiva­s são aplicadas, permitindo que o dinheiro seja identifica­do, congelado e devolvido.

Para provar que não se trata de mera intenção, o governo suíço permite acesso a detalhes sobre a apuração de alguns dos maiores casos de corrupção de ditadores e em que estágio está o processo de devolução do dinheiro. O Estado teve acesso a esses relatos.

Um caso paradigmát­ico é o do dinheiro roubado por Jean Claude Duvalier no Haiti. A fortuna de US$ 6 milhões enviada para a Suíça pelo ditador era fruto da propina que ele cobrava no setor do tabaco, um monopólio do Estado que havia se transforma­do em sua fonte de renda privada.

Por 24 anos, Berna não conseguiu que os diferentes governos do Haiti chegassem a uma cooperação para repatriar o dinheiro e, nas cortes do país caribenho, Duvalier não foi condenado. Em 2010, a Suprema Corte da Suíça foi obrigada a declarar que os prazos tinham expirados. Isso significar­ia que os suíços teriam de devolver o dinheiro aos herdeiros de Duvalier. Numa iniciativa inédita, o governo em Berna propôs uma mudança emergencia­l nas leis do país para permitir que os recursos permaneces­sem bloqueados.

Falta dono. Devolver o dinheiro aos países ainda é um processo penoso por várias razões, e a culpa pela demora na recuperaçã­o dos ativos não é apenas dos suíços ou de complexos esquemas de camuflagem dos ativos. Em vários casos, o dilema é a quem devolver. Um exemplo foi a novela jurídica em relação ao dinheiro de Mobutu Sese Seko, ditador do Congo. Um dia depois de sua queda, em 1997, as autoridade­s suíças ordenaram que os bancos vasculhass­em qualquer conta em seu nome. Uma conta e uma mansão foram encontrado­s, no total de US$ 5,5 milhões.

Por seis anos, porém, a Suíça solicitou que os congoleses dessem informaçõe­s para permitir o andamento do processo, o que não ocorreu. Kinshasa jamais abriu um processo criminal contra Mobutu e a cooperação judicial foi suspensa em 2003. Para os suíços, estava claro que os aliados de Mobutu mantinham influência no país, a ponto de seu filho mais velho ocupar o cargo de vice-primeiro-ministro no novo regime. Doze anos depois de congelar a fortuna e já com Mobutu morto, a Suíça foi obrigada a liberar o dinheiro aos herdeiros do ditador, em 2009.

 ??  ??
 ?? AMR ABDALLAH DALSH/REUTERS-11/2/2011 ?? Fortunas escondidas. Ditadores Hosni Mubarak (esquerda), Ben Ali, Muamar Kadafi, Bashar Assad, Jean Claude Duvalier e Mobutu Sese Seko (direita) tinham dinheiro na Suíça
AMR ABDALLAH DALSH/REUTERS-11/2/2011 Fortunas escondidas. Ditadores Hosni Mubarak (esquerda), Ben Ali, Muamar Kadafi, Bashar Assad, Jean Claude Duvalier e Mobutu Sese Seko (direita) tinham dinheiro na Suíça
 ?? AFP-2/7/2013 ??
AFP-2/7/2013
 ?? ELIANA APONTE TOBAR/NYT-24/1/2011 ??
ELIANA APONTE TOBAR/NYT-24/1/2011
 ?? FRANCOIS MORI/REUTERS-21/6/2011 ??
FRANCOIS MORI/REUTERS-21/6/2011
 ?? JACK DABAGHIAN/REUTERS ??
JACK DABAGHIAN/REUTERS
 ?? ASMAA WAGUIH/REUTERS-9/10/2010 ??
ASMAA WAGUIH/REUTERS-9/10/2010

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil