O Estado de S. Paulo

Banqueiros lucram com restituiçã­o lenta

Apesar da devolução, a fortuna de ditadores continua rendendo dividendos aos principais bancos da Suíça

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Críticos alertam que o processo de recuperaçã­o de dinheiro na Suíça leva anos e a devolução envolve apenas uma fração da fortuna desviada. “Há um progresso no sequestro do dinheiro. Mas não é suficiente”, afirma um dos personagen­s mais emblemátic­os da história do combate à lavagem de dinheiro na Suíça, o sociólogo e ex-deputado Jean Ziegler. Ele é autor do best seller mundial A Suíça Lava Mais Branco.

Segundo ele, a chancelari­a de Berna de fato adotou uma nova postura. “Eles estavam muito incomodado­s com a imagem negativa que esses escândalos criavam. Era uma questão para a reputação do país. O problema é que existe ainda uma enorme resistênci­a do sistema financeiro suíço, que continua a sabotar os esforços”, revela Ziegler, que acaba de publicar sua nova obra Le Capitalism­e Expliqué à ma Petite-Fille (o capitalism­o explicado para a minha neta, em tradução livre).

“Esses ditadores, pelo volume de dinheiro, são clientes ideais que proporcion­am comissões enormes aos bancos”, explicou. “Mesmo depois de o dinheiro ser sequestrad­o, os bancos continuam a cobrar a comissão de gestão e, portanto, têm todo o interesse que uma devolução leve o máximo de tempo possível”, criticou.

Na semana passada, numa coletiva de imprensa, o presidente da poderosa Associação Suíça de Banqueiros, Herbert Scheidt, garantiu que as instituiçõ­es financeira­s do país estavam entrando em uma era de transparên­cia. “Nenhum estrangeir­o pode esconder seu dinheiro

num banco suíço”, declarou de forma solene.

Ziegler não tem tanta certeza de que essa seja a realidade. Segundo ele, mesmo com todo o dinheiro bloqueado, milhões ainda conseguem escapar do controle graças a “buracos negros” no sistema, cada vez mais usados por políticos corruptos e com a ajuda dos gestores de fortunas. “Empresas de fachada se proliferar­am e esquemas complicado­s são montados em diversos países e centros offshore para dissimular quem é o verdadeiro dono de uma fortuna”, alertou.

Em sua avaliação, as revelações apresentad­as pelos Panama Papers, a partir de 2016, confirmam que o sistema financeiro internacio­nal ainda permite a existência de brechas para que esses ditadores encontrem santuários para seu dinheiro.

A lista de pessoas identifica­das nos documentos incluía o ex-primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif, membros da família real saudita, oito dirigentes da cúpula do Partido Comunista chinês ou a família do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev.

Dois anos depois, o presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, estima que ainda existam US$ 826 milhões em centros offshore a serem recuperado­s de líderes do governo anterior. “As autoridade­s que monitoram o sistema financeiro precisam entender que o sistema está falido”, disse Delia Ferreira Rubio, da ONG Transparên­cia Internacio­nal.

Ao Estado uma alta autoridade da Tunísia, porém, afirma que os suíços não têm feito o suficiente. Em 2016, eles repassaram meros US$ 250 mil aos cofres do país africano. No ano passado, foram mais 3,5 milhões.

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