O Estado de S. Paulo

Jogo novo

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Escrevo como torcedor, e não como especialis­ta, que não sou. Por isso, talvez o que escreva não seja novidade. Mas me arrisco e lá vai. O futebol já mudou drasticame­nte nos últimos tempos, mas de maneira sutil se aproxima do basquete. É difícil se dar conta disso quando não se conhecem as duas modalidade­s, mas só uma. Quem conhece as duas sabe do que falo. Quando um garoto entra numa quadra de basquete, a primeira coisa que aprende é que deve atacar e defender. Atacar bem e defender bem, não vale ser uma coisa só, ou ser melhor numa especialid­ade do que na outra. Basquete é cinco que atacam e os mesmos cinco que defendem.

É claro que as melhores qualidades de um jogador estarão sempre em alguma das duas caracterís­ticas. Ser um craque nas duas é para os astros, os fora de série. Mas não dá para ser mais ou menos em alguma delas. O basquete é um jogo que muda muito. Tempos atrás, por exemplo, quando havia visíveis nuances e diferenças entre várias posições, o armador não era um especialis­ta em arremesso, sua função específica era outra. Nem o pivô era mais do que alguém fixo perto da cesta e próximo dos rebotes. Hoje esse tipos de jogadores estão quase desapareci­dos. O armador virou arremessad­or de três pontos, o pivô igualmente, e todos têm que ser excelentes marcadores. A próxima temporada da NBA vem aí e será boa chance para ver essas mudanças.

Ainda há atletas à antiga, cada vez mais raros. Carreiras brilhantes não foram tão brilhantes porque o jogador não fazia bem tudo o que se exige hoje. Exemplo: Rajon Rondo, fantástico armador, mas menos eficiente nos arremessos e um marcador apenas razoável. Uma carreira que em outros tempos seria de astro virou uma carreira quase normal que entrou em declínio, apesar de jogar em alto nível.

O que isso tem a ver com o futebol? Tem a ver que hoje todos os times de futebol jogam com dez que defendem contra dez que podem atacar. Longe de ser algo de “time pequeno” como alegam alguns cronistas, é algo de time grande, e que veio para ficar. Não há mais equipes, e isso está claro nessa Copa do Brasil, por exemplo, que abram mão desse novo jogo como método consciente. Praticamen­te todos os times quando atacados jogam com duas linhas de defensores quase na altura da grande área, compactos, difícil de ultrapassa­r e que saem velozmente para o contra-ataque quando roubam a bola.

Isso não é a essência do basquete? O problema é que estamos num momento de transição. O velho jogo e o novo jogo ainda convivem. Mas vai chegar um tempo em que garotos já virão da base sabendo o que um jogador de basquete aprende. Ninguém mais pode errar passes, atacante ou zagueiro. Todos defendem e todos atacam em qualquer situação da partida. O atleta tem de ser duplo, mais que isso, completo.

Não estamos preparados para isso. Ainda há especialis­tas zagueiros, meio-campistas e atacantes. Os atacantes, aliás, estão sendo os primeiros a fazer várias funções, mas ainda não pela convicção que o jogo antigo acabou. Me parece que o time que mais está assimiland­o a nova mentalidad­e é o Cruzeiro. Um time que se defende, mas ao mesmo tempo ataca com muita velocidade.

Pouco a pouco vamos chegar ao jogador de basquete que, com naturalida­de, sem imposição, será um jogador para quem é indiferent­e atacar ou defender. Terá um dia a mesma habilidade nas duas funções? Não sei, mas arrisco: se não tiver, não joga. Em tempo, eu mesmo, que choro o fim do futebol antigo, sinto que não dá para lutar contra fatos. Não vai se voltar atrás e lembranças de craques como Ademir, Ronaldo, Sócrates e Falcão serão não apenas lembranças, mas constataçã­o de que hoje teriam de jogar de outro jeito. Talvez não conseguiss­em.

O futebol está cada vez mais parecido com o basquete: todos atacam e defendem

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