Tormenta à vista
Aeconomia global está mudando para pior. Tensões políticas, guerra comercial, queda do crescimento no mundo desenvolvido (exceto nos Estados Unidos) e crises nos mercados emergentes, tudo indica uma situação já difícil. Entretanto, além da desaceleração do crescimento, está se formando uma tempestade localizada nos EUA. Vejamos as razões.
A economia americana está, evidentemente, aquecida. O PIB do segundo trimestre foi revisado para cima e o desemprego está baixo. Esse desempenho vem sendo reforçado por uma política fiscal muito expansionista. O déficit público não para de crescer e já se aproxima de US$ 1 trilhão.
Mais uma vez, a expectativa de que menos impostos trariam uma elevação dos investimentos não está se materializando. Apenas dois grupos de empresas ampliaram suas inversões: as grandes companhias de tecnologia e as do setor de petróleo, no chamado “shale”. O grosso das empresas devolveu dinheiro para os acionistas, via dividendos e recompra de ações, em proporções nunca vistas. O volume de recompra no primeiro semestre atingiu a fantástica quantia de US$ 600 bilhões. Boa parte desse dinheiro é reciclado em consumo, imóveis e na compra de ativos financeiros.
A inflação está começando a se elevar lentamente, o que levou o Banco Central americano a apertar a política monetária. Em consequência, o diferencial de juros no mundo rico está se ampliando. Comparado com o título alemão de dez anos, o equivalente americano tinha nestes dias uma vantagem superior a 2,5%. A atração de capital é irresistível, reforçada por certa fuga do mundo emergente.
Nessas condições, o dólar continua se firmando em relação às outras moedas. Seus efeitos sobre o mundo, como um todo, são bastante grandes. E a alta dos juros e a valorização do dólar aumentam o risco de problemas mais adiante.
Como sempre acontece nas fases maduras do ciclo econômico, o problema é o aumento dos riscos de crédito. Talvez o mais relevante seja a proporção do crédito corporativo em relação ao PIB, que já ultrapassou os 45%. Ora, nas duas últimas vezes em que isso aconteceu, vimos duas grandes recessões ocorrendo. Apesar da melhora da regulação de risco, poderá a história se repetir?
Outra fonte de preocupação são as finanças das empresas de petróleo na área do “shale”. Em muitos locais, a redução da produção após o primeiro ano é espantosamente rápida, o que leva a um fluxo de caixa que não cobre o pagamento de juros. Na última vez que o preço do petróleo caiu, mais de 150 empresas ficaram insolventes. Se a desaceleração do crescimento no mundo reduzir as cotações, certamente teremos problemas na região. Mais uma vez, tudo aponta para o fim do ano que vem.
Em terceiro lugar, há que se considerar a evolução do mercado imobiliário. O índice de preços Case-Shiller já ultrapassou o pico de 2007, o que sugere que qualquer balanço no barco poderá detonar uma nova rodada de dificuldades.
Ao mesmo tempo, os riscos no mercado de renda variável também estão aumentando. No último semestre, dois terços da alta na Bolsa foram concentrados em pouquíssimas empresas de tecnologia, como Facebook, Apple, Google, Amazon e Microsoft. Ora, a gigantesca concentração de poder dessas companhias eleva a possibilidade de riscos regulatórios, além da eterna discussão se os papéis estão muito caros ou não.
Os indicadores de alta de risco mais relevantes ainda não mostram uma situação mais aguda, mas já revelam certas dificuldades. Por exemplo, a diferença nas taxas de juros dos títulos do Tesouro de dez e de dois anos está se estreitando há meses e se aproxima de zero. O que faz muita gente ficar aflito é que, nas últimas décadas, toda vez que esse spread ficou negativo ocorreu uma recessão depois de algum tempo. A entrada de capital e a escassez de projetos de investimento, em momentos de elevação de taxas de juros de curto prazo, produzem esse resultado.
É possível que, em até um ano, a situação se torne mais difícil, com alta dos indicadores de risco, mudanças de expectativas e redução de crescimento, induzindo o aparecimento de uma crise.
Se isso acontecer, rezo para que seja antes da eleição americana.
A expectativa de que menos impostos trariam uma elevação dos investimentos não vingou
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ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE