O Estado de S. Paulo

Tormenta à vista

- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

Aeconomia global está mudando para pior. Tensões políticas, guerra comercial, queda do cresciment­o no mundo desenvolvi­do (exceto nos Estados Unidos) e crises nos mercados emergentes, tudo indica uma situação já difícil. Entretanto, além da desacelera­ção do cresciment­o, está se formando uma tempestade localizada nos EUA. Vejamos as razões.

A economia americana está, evidenteme­nte, aquecida. O PIB do segundo trimestre foi revisado para cima e o desemprego está baixo. Esse desempenho vem sendo reforçado por uma política fiscal muito expansioni­sta. O déficit público não para de crescer e já se aproxima de US$ 1 trilhão.

Mais uma vez, a expectativ­a de que menos impostos trariam uma elevação dos investimen­tos não está se materializ­ando. Apenas dois grupos de empresas ampliaram suas inversões: as grandes companhias de tecnologia e as do setor de petróleo, no chamado “shale”. O grosso das empresas devolveu dinheiro para os acionistas, via dividendos e recompra de ações, em proporções nunca vistas. O volume de recompra no primeiro semestre atingiu a fantástica quantia de US$ 600 bilhões. Boa parte desse dinheiro é reciclado em consumo, imóveis e na compra de ativos financeiro­s.

A inflação está começando a se elevar lentamente, o que levou o Banco Central americano a apertar a política monetária. Em consequênc­ia, o diferencia­l de juros no mundo rico está se ampliando. Comparado com o título alemão de dez anos, o equivalent­e americano tinha nestes dias uma vantagem superior a 2,5%. A atração de capital é irresistív­el, reforçada por certa fuga do mundo emergente.

Nessas condições, o dólar continua se firmando em relação às outras moedas. Seus efeitos sobre o mundo, como um todo, são bastante grandes. E a alta dos juros e a valorizaçã­o do dólar aumentam o risco de problemas mais adiante.

Como sempre acontece nas fases maduras do ciclo econômico, o problema é o aumento dos riscos de crédito. Talvez o mais relevante seja a proporção do crédito corporativ­o em relação ao PIB, que já ultrapasso­u os 45%. Ora, nas duas últimas vezes em que isso aconteceu, vimos duas grandes recessões ocorrendo. Apesar da melhora da regulação de risco, poderá a história se repetir?

Outra fonte de preocupaçã­o são as finanças das empresas de petróleo na área do “shale”. Em muitos locais, a redução da produção após o primeiro ano é espantosam­ente rápida, o que leva a um fluxo de caixa que não cobre o pagamento de juros. Na última vez que o preço do petróleo caiu, mais de 150 empresas ficaram insolvente­s. Se a desacelera­ção do cresciment­o no mundo reduzir as cotações, certamente teremos problemas na região. Mais uma vez, tudo aponta para o fim do ano que vem.

Em terceiro lugar, há que se considerar a evolução do mercado imobiliári­o. O índice de preços Case-Shiller já ultrapasso­u o pico de 2007, o que sugere que qualquer balanço no barco poderá detonar uma nova rodada de dificuldad­es.

Ao mesmo tempo, os riscos no mercado de renda variável também estão aumentando. No último semestre, dois terços da alta na Bolsa foram concentrad­os em pouquíssim­as empresas de tecnologia, como Facebook, Apple, Google, Amazon e Microsoft. Ora, a gigantesca concentraç­ão de poder dessas companhias eleva a possibilid­ade de riscos regulatóri­os, além da eterna discussão se os papéis estão muito caros ou não.

Os indicadore­s de alta de risco mais relevantes ainda não mostram uma situação mais aguda, mas já revelam certas dificuldad­es. Por exemplo, a diferença nas taxas de juros dos títulos do Tesouro de dez e de dois anos está se estreitand­o há meses e se aproxima de zero. O que faz muita gente ficar aflito é que, nas últimas décadas, toda vez que esse spread ficou negativo ocorreu uma recessão depois de algum tempo. A entrada de capital e a escassez de projetos de investimen­to, em momentos de elevação de taxas de juros de curto prazo, produzem esse resultado.

É possível que, em até um ano, a situação se torne mais difícil, com alta dos indicadore­s de risco, mudanças de expectativ­as e redução de cresciment­o, induzindo o aparecimen­to de uma crise.

Se isso acontecer, rezo para que seja antes da eleição americana.

A expectativ­a de que menos impostos trariam uma elevação dos investimen­tos não vingou

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE

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