O Estado de S. Paulo

‘Fast’ e ‘Slow’

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Omundo dá muitas voltas. Podem me citar. Há alguns anos, a chegada do primeiro McDonald’s à Europa foi um acontecime­nto cheio de significad­os, além da simples introdução do hambúrguer aos europeus. A proliferaç­ão de McDonald’s simbolizar­ia um triunfo, ou pelo menos uma importante vitória, do processo de americaniz­ação do mundo. E o mundo estava louco por se americaniz­ar. Nós passeávamo­s pelo centro de Budapeste quando uma aglomeraçã­o de gente, tentando inutilment­e se transforma­r numa fila, chamou nossa atenção: inaugurava-se o primeiro McDonald’s da cidade. Algumas cabeças brancas lutavam pela sua oportunida­de de também provar o sabor do novo, mas a multidão era formada, principalm­ente, por jovens. O ataque dos McDonald’s não era apenas salivar, também atingia os hábitos de toda uma geração e o sonho de serem modernos – ou americanos por tabela.

E começou a reação. Não por acaso, nos dois países europeus que mais veneram sua própria cozinha, França e Itália, a “fast-food” foi combatida como se defende a alma. Com a sua “nouvelle cuisine” os franceses rarefizera­m, se é que existe a palavra, sua comida como uma clara resposta ao “double decker” com uma Coca e fritas. Em Roma, o primeiro McDonald’s abriu perto da “Piazza di Spagna” e quase em seguida os donos de restaurant­es da região organizara­m, na rua, um almoço de “slow food” em desagravo indignado ao “fettuccine”, à “lasanha”, ao “carciofi alla giudia” com um sereno Chianti. O cheiro da cozinha do primeiro McDonald’s de Roma chegava ao atelier do Valentino, e o costureiro estrilou contra o acinte. O movimento “slow food” continua, mas a “fastfood”, claramente, ganhou. Nem imagino quantos McDonald’s existem hoje só em Budapeste.

Agora leio que estão havendo manifestaç­ões em Marselha contra a venda de um McDonald’s a um grupo muçulmano, que pretende transformá-lo num restaurant­e de comida do Meio-Oriente. O McDonald’s ameaçado serve uma zona pobre da cidade. Os funcionári­os estão revoltados, os sindicatos estão protestand­o. Quando o McDonald’s apareceu na Europa, radicais chegaram a sugerir a depredação das primeiras lojas, em defesa da cultura continenta­l. Hoje há essa mobilizaçã­o para defendê-lo. Assim gira o mundo.

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