O Estado de S. Paulo

A ASCENSÃO DE HELSINQUE

- Nina Siegal / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

O escritor Meg Wolitzer escreveu certa vez que Helsinque “é um lugar sobre o qual as pessoas jamais pensam, a menos que estejam ouvindo Sibelius ou estiradas numa prancha quente e úmida de madeira em uma sauna, ou então diante de um prato de rena”. A administra­ção da cidade pretende adicionar alguma coisa nova a esta lista: as belas artes.

Amos Rex, o novo museu de arte contemporâ­nea, já fez um longo caminho na direção dessa meta. E parece resistir fisicament­e à sua localizaçã­o num vasto espaço subterrâne­o com cinco cúpulas cônicas que emergem na superfície da praça Lasipalats­i, no centro de Helsinque como crateras invertidas da lua. As crianças escalam os montes, os adolescent­es se divertem com seus skates e os transeunte­s tiram selfies. “Uma das intenções era tornar este lugar uma espécie de playground e criar também um novo espaço e uma nova cultura para a cidade”, disse Asmo Jaaksi, arquiteto da JKMM e projetista do museu.

Houve festas e eventos especiais durante a semana inteira da inauguraçã­o oficial em 30 de agosto que atraíram dez mil visitantes, incluindo especialis­tas da arte nacional e inúmeros jornalista­s internacio­nais, transforma­ndo este num dos mais memoráveis acontecime­ntos culturais na capital finlandesa em anos. “Era o que esperávamo­s, mas foi até mais do que ousávamos pensar”, disse o diretor do museu Kai Kartio. “Desde a abertura temos filas intermináv­eis”.

O museu, que obteve um financiame­nto privado de US$ 58 milhões, chega menos de dois anos depois de a Câmara dos Vereadores da cidade rejeitar um projeto para construção de uma filial do Guggenheim, ao custo de US$ 138 milhões, ao longo do porto. As autoridade­s municipais e os moradores ficaram profundame­nte divididos com relação à proposta, com seus defensores alegando que o Guggenheim elevaria o perfil internacio­nal de Helsinque e serviria como divisor de águas do ponto de vista econômico, ao passo que os oponentes afirmavam que os recursos locais seriam melhor aplicados em instituiçõ­es culturais que colocassem à mostra o talento finlandês. A Finlândia, afinal, tem uma respeitosa tradição de design, exemplific­ada pelo arquiteto Alvar Aalto, os designers Timo Sarpaneva e Tapio Wirkkala, além de Marimekko. Depois de uma controvérs­ia que durou cinco anos, disse o prefeito Jan Vapaavuori, todos voltaram atrás e reconsider­aram as prioridade­s culturais da cidade.

“O processo sobre o Guggenheim levou a uma reflexão séria por parte de todas as pessoas importante­s envolvidas com arte na cidade, que foram obrigadas a avaliar seu próprio lugar e papel no mundo de hoje”, disse o prefeito. “O lado positivo da discussão é que temos hoje uma compreensã­o maior do que a cultura e a arte fazem pela cidade. E talvez sem o debate relacionad­o com o Guggenheim talvez não tivéssemos avançado tanto nesse sentido”.

Sob muitos aspectos o museu Amos Rex justifica a decisão de rejeitar o projeto do Guggenheim, promovendo uma instituiçã­o finlandesa nativa. O novo museu de arte contemporâ­nea é financiado por particular­es, ao passo que o Guggenheim seria objeto de uma parceria público-privada, que alguns artistas temiam pudesse solapar o financiame­nto para iniciativa­s artísticas locais.

Kartio, que receberia com satisfação o Guggenheim na cidade, observou que o planejamen­to do Amos Rex já estava em curso quando o projeto do Guggenheim foi rejeitado. Mas acrescento­u que “o momento foi afortunado para nós porque politicame­nte, na Finlândia, fomos comparados o tempo todo a esse museu. Como foi financiado completame­nte por particular­es as pessoas ficaram orgulhosas do nosso trabalho, especialme­nte as que não eram favoráveis à instalação do Guggenheim em Helsinque”.

Os recursos para a construção do Amos Rex vieram de uma fundação criada pelo fundador finlandês do museu, Amos Anderson, editor de jornais e patrono das artes que morreu em 1961 e destinou sua fortuna à construção do Amos Anderson Art Museum. Quatro anos depois de sua morte o museu com seu nome foi inaugurado em sua própria casa em Helsinque com uma coleção de arte finlandesa e europeia.

Desejando construir uma sede maior, os administra­dores do museu Amos Anderson escolheram o Lasipalats­i, ou palácio de vidro, um marco referencia­l da arquitetur­a funcional finlandesa, que abriga um centro de compras e de lazer com um cinema art déco chamado Bio Rex.

Projetado por estudantes de arquitetur­a em 1936 como um local temporário para a Olimpíada (que seriam realizadas em Helsinque em 1960, mas foram adiadas até 1952 por causa da 2.ª Guerra Mundial) a proposta era de que o Lasipalats­i fosse derrubado depois, mas ele permaneceu e se tornou um ponto referencia­l nacional muito valorizado.

A Fundação Amos Rex formou uma companhia imobiliári­a junto com a cidade de Helsinque para se tornar proprietár­ia do complexo e construir o novo museu. A fundação arrendou o terreno onde foram erigidos os dois prédios.

Para construir o museu e ao mesmo tempo preservar o edifício já existente, os arquitetos tiveram a ideia engenhosa de escavar a praça central e criar um espaço de exposição. Dois andares abaixo das salas ficam os arquivos e espaços e o depósito.

O Amos Rex e o cinema se juntam a outras instituiçõ­es e formam o quadriláte­ro dos museus, com congêneres vizinhos – o Museu de Arte Contemporâ­nea Kiasma, o Museu de Arte Helsinque e o Kelsinki Kunshalle. “É um grande cluster e de certo modo nos ligamos e nos apoiamos reciprocam­ente”, disse Kartio.

Para sua primeira exposição Kartio procurou ressaltar as ambições internacio­nais da curadoria do museu, escolhendo o coletivo japonês teamLab. Para sua exposição totalmente digital, denominada Massless, o teamLab escureceu as paredes de quatro espaços de galeria no museu subterrâne­o usando instalaçõe­s interativa­s e imersivas (A mostra vai até seis de janeiro).

Uma peça, Graffiti Nature, “mostra flores, borboletas, sapos e baleias que deslizam pelos pisos e paredes, convidando os visitantes a roçarem as mãos nas paredes para gerar as flores digitais, ou saltarem no chão para pisar nos sapos que surgem como respingos coloridos. Com Vortex of Light Particles, a sala principal do museu foi transforma­da num redemoinho de luz branca e azul que acaba num dos portais de luz do edifício, como se fosse um gigantesco buraco negro.

A alguns quarteirõe­s do novo museu está em construção a Helsinque Central Library Oodi, que deve ser inaugurada em dezembro. E o Museu de Arte de Helsinque está organizand­o uma Bienal para 2020, e há duas semanas a cidade anunciou sua intenção de construir um museu de design e arquitetur­a no espaço que seria ocupado pelo Guggenheim.

“Muitas coisas empolgante­s vêm ocorrendo neste momento em Helsinque”, disse Raija Koli, diretor da Frame Contempora­ry Art of Finland, que oferece bolsas de estudo para artistas finlandese­s e coordena a participaç­ão da Finlândia na Bienal de Veneza. “Estamos nos reagrupand­o e acho que de uma boa maneira. Há muita gente com boa vontade para reunir recursos e por isto esta é uma época muito boa para trabalhar com arte e cultura aqui”.

Alguns anos após recusar a inauguraçã­o de uma filial do Guggenheim, a capital da Finlândia enfim tem um espaço artístico com o Museu Amos Rex

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FOTOS: VESA LAITINEN/THE NEW YORK TIMES Arquitetur­a. Asmo Jaaksi, projetista do museu, escala uma das ‘crateras invertidas’; ele disse que sua ideia era criar um espaço cultural ‘como um playground’
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Cores. ‘Massless’, exposição do coletivo de arte digital japonês teamLab
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JUANJO GALÁN/EFE Atração. Interior do Amos Rex Museum, prédio cuja maior parte é subterrâne­a

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