O Estado de S. Paulo

Intervenci­onismo é marca de programa

- José Júlio Senna

Oprograma de Ciro Gomes caracteriz­a-se pela centraliza­ção e intervenci­onismo excessivo. Temos um problema de desemprego? Entreguemo­s o assunto ao Banco Central e subordinem­os tal instituiçã­o à Presidênci­a da República. A dívida de pessoas físicas cresceu muito, e seus nomes foram para o SPC? Deixemos essa questão aos cuidados do poder central, que coordenará uma ampla renegociaç­ão das dívidas, com descontos e em melhores condições que as anteriores. Quem financiari­a? Os bancos públicos.

A propensão a tratar o governo como o grande solucionad­or direto dos problemas nacionais tem presença disseminad­a. O BNDES teria seu “protagonis­mo” retomado, envolvendo a definição de “grandes complexos prioritári­os”. Bancos públicos cuidariam também de operar para reduzir os spreads bancários.

Por certo, dar ao BC um mandato dual, voltado para o controle da inflação e do desemprego, dificultar­ia o cumpriment­o tanto de um quanto de outro objetivo. O esquema funciona bem nos Estados Unidos, devido a enorme credibilid­ade do Federal Reserve (Fed). Programa governamen­tal de renegociaç­ão de dívidas privadas geralmente não faz sentido, pois estimula endividame­nto adicional e gera demanda por novas intervençõ­es. Quanto aos dois últimos exemplos, são medidas a que já se recorreu, com maus resultados.

A inclinação intervenci­onista vai longe, abrangendo juros e câmbio, variáveis bem menos manipuláve­is do que normalment­e se imagina. Afinal, o juro básico não pode afastar-se muito do nível neutro, determinad­o fora do alcance do Banco Central, e eventual artificial­ismo cambial será sempre insustentá­vel.

Esses foram alguns pontos abordados ontem na sabatina que o Estado e o FGV/Ibre fizeram com Mauro Benevides. Para ele, porém, mandato dual para o BC é o que há de mais avançado no mundo. Se ninguém reclama quando se refinancia­m dívidas empresaria­is, por que motivo criticar refinancia­mento de dívidas pessoais? Não cabem comparaçõe­s entre medidas agora propostas e outras de governo anterior, pois subsídios em operações do BNDES serão explicitad­os no orçamento.

Por fim, Benevides argumenta que à semelhança do Copom, deveria haver um comitê para tratar de intervençõ­es no câmbio. Ora, é exatamente algo assim que deveríamos evitar, para não revelar desconside­ração pelo regime flexível.

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