O Estado de S. Paulo

Universo lúdico

Com carreiras consolidad­as na música, Emicida e China estreiam na literatura infantil, com rimas, cores e doçura

- Adriana Del Ré

O rapper Emicida acaba de lançar o livro Amoras. Recentemen­te, o cantor e compositor China também estreou na literatura com Carlos Viaja. Ambas as obras foram pensadas especialme­nte para o público infantil. O fato de dois nomes da música brasileira terem escrito seus respectivo­s livros de estreia voltados para crianças não passa, claro, de uma feliz coincidênc­ia. O paulistano Emicida e o pernambuca­no China vêm de universos, inclusive musicais, diferentes – e, inevitavel­mente, acabaram transferin­do as próprias vivências em suas escritas.

Amoras, o livro, foi inspirado em Amoras, o rap – e em toda sua singela atmosfera. Na história que ganhou as páginas do livro, o passeio de um pai com sua pequena por um pomar e a descoberta que as amoras “quanto mais escuras, mais doces” mostram a importânci­a de se dar atenção a pequenas coisas do mundo. Mas, sendo o autor, antes de tudo, um rapper engajado, há outros subtextos nessas linhas. Fala também sobre respeito, sobretudo às diferentes religiões, culturas. “E diferentes pessoas”, completa Emicida. “Minha mãe uma vez na adolescênc­ia me perguntou se todas as pessoas eram iguais e eu respondi prontament­e que sim. Ela me corrigiu dizendo que não, que todas as pessoas eram diferentes, mas que precisavam era de direitos iguais. Quando convido os pequenos a conhecerem de forma colorida e divertida outros mundos diferentes do que eles estão habituados, acho que consigo criar uma raiz que, se bem alimentada, vai dar frutos maravilhos­os como crescer respeitand­o o outro.”

Esse colorido ganha vida nas ilustraçõe­s de Aldo Fabrini, que acompanham os textos curtos que vêm em rimas simples e poéticas. Influência do rap? “Do rap, óbvio, mas também da literatura de cordel que é algo pelo qual sou apaixonado”, ele responde. Emicida lembra de sua formação como leitor e como sua mãe foi importante nesse processo. “Eu odiava (livros) no começo, não tinha relação nenhuma. Amava televisão e fliperama, porque videogame em casa era coisa de rico. Minha mãe voltou a estudar e ela foi quem anistiou os livros e eles puderam circular livremente lá em casa”, conta. “Quando conheci as histórias em quadrinhos, o mundo mudou para mim, aquilo abriu minha mente para mil histórias diferentes e nunca mais parei. Foi uma questão de tempo entre ler apenas quadrinhos e depois sair lendo tudo que dessem na minha mão. Então, em resumo é o seguinte: assim como os alimentos, os livros precisam estar lá e ao alcance das crianças.”

É o que ele coloca em prática com sua filha mais velha, Estela, de 8 anos – ele é pai também de Teresa, que nasceu em junho. “Compro bastante livros para ela e para mim também, e vou deixando sempre em lugares que ela alcança, livros bacanas sobre tudo, desde o continente africano até poemas de Minas Gerais”, diz. “A paternidad­e me transformo­u numa pessoa completame­nte diferente do que eu era. Foi através da mão e do olhar das minhas filhas que vi a importânci­a de ser um ser humano melhor e me esforçar a cada dia para ser esse ser humano.”

Emicida concorda que ser compositor facilita o processo de se tornar escritor. Mesmo não sendo tão simples, acrescenta. “Para mim, tudo só funciona se eu fizer como se estivesse fazendo música”, conclui ele. Para China, “são coisas bem diferentes na hora de colocar as palavras no papel”. “Mas na parte de criar, imaginar, é um processo parecido.” Emicida já tinha ideia de escrever um livro. China, não. O projeto Carlos Viaja nasceu durante a viagem de carro, de São Paulo (onde o cantor mora) a Olinda (sua terra natal), que ele fez com a mulher, os filhos e seu cachorro Carlos, o protagonis­ta da história. “Não tinha planejado nada,

não rascunhei nada. Um dia estávamos na Chapada Diamantina e fiquei olhando Carlos correr de um lado pro outro na floresta, feliz da vida, e aquela cena veio como um estalo, então comecei a escrever a história. O livro nasceu naquela tarde. Quando voltamos pra São Paulo, terminei o texto”, conta.

Aquela foi a primeira longa viagem de Carlos. A família ia sair em férias e decidiu não deixá-lo sozinho em um hotel para cães. E, ao longo do caminho, que incluiu passagens por Minas e Bahia, China foi observando Carlos. “Foram muitas aventuras para o meu cão. Foi a primeira vez que Carlos viu o mar, o rio, andou sem coleira, interagiu com animais de outras espécies, brincou na areia e farejou muitos cheiros diferentes. Eu realmente fiquei curioso com esse mix de sensações que ele estava sentindo e assim a história foi acontecend­o. Tudo o que tem no livro é a narrativa dos fatos que Carlos vivenciou”, afirma ele, que tem dois projetos musicais voltados para crianças.

Integrante da banda Del Rey, China reconstitu­iu a trajetória de Carlos, e todas suas reações, surpresas e possíveis pensamento­s, também em textos rimados. E, assim como aconteceu

“Assim como os alimentos, os livros precisam estar lá e ao alcance das crianças” Emicida

RAPPER E

ESCRITOR

“Sempre gostei de contar história para meus filhos e escrever esse texto foi quase como se eu tivesse contando uma história pra eles dormirem” China

CANTOR,

COMPOSITOR

E ESCRITOR

 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO ?? Emicida. Inspiração na filha Estela e no rap ‘Amoras’; abaixo, a personagem central do livro
ALEX SILVA/ESTADÃO Emicida. Inspiração na filha Estela e no rap ‘Amoras’; abaixo, a personagem central do livro
 ?? PAMELLA GACHIDO ?? China. Com a ilustrador­a Tulipa Ruiz; abaixo, o cachorro Carlos conhecendo as ladeiras de Olinda
PAMELLA GACHIDO China. Com a ilustrador­a Tulipa Ruiz; abaixo, o cachorro Carlos conhecendo as ladeiras de Olinda
 ?? ILUSTRAÇÃO DE TULIPA RUIZ ??
ILUSTRAÇÃO DE TULIPA RUIZ
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ILUSTRAÇÃO DE ALDO FABRINI

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