O Estado de S. Paulo

Juros, inflação e risco eleitoral

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Manter a taxa Selic em 6,50% foi um ato de prudência.

Manter em 6,50% os juros básicos foi um ato de prudência, mas o futuro presidente ainda poderá apreciar essa medida como uma gentileza. A decisão foi tomada na última reunião do Copom antes das eleições. A próxima deliberaçã­o do Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) deverá ocorrer no fim de outubro. Nessa data já serão conhecidos o vencedor da eleição presidenci­al e a composição do Congresso. Até lá, a política monetária permanecer­á favorável à retomada dos negócios, com a taxa básica, a Selic, no nível mais baixo da série iniciada em 1996. Se nenhum grande susto resultar da contagem dos votos, será possível prolongar a política de acomodação até o fim do ano, quando os membros do comitê se reunirão pela última vez em 2018. Mas é arriscado apostar, neste momento, num cenário de tranquilid­ade pós-eleitoral.

Por enquanto há alguma claridade na paisagem. Por isso a decisão do Copom veio sem surpresa. A insistênci­a na taxa de 6,50%, repetida pela quarta vez, foi prevista pelas 69 instituiçõ­es consultada­s nesta semana pelo Broadcast, serviço de informaçõe­s online da Agência Estado. A inflação projetada para este ano e para o próximo continua abaixo da meta de 4,5%, nos cálculos do mercado e nos do BC. Além disso, a recuperaçã­o da economia perdeu impulso em 2018. O cresciment­o econômico persiste, mas o ritmo é lento e ainda há muita capacidade ociosa no sistema produtivo.

Há razões muito claras, portanto, para prolongar uma política monetária relativame­nte suave. Essa política beneficia o Tesouro, aliviando o custo da dívida pública, e deixa algum espaço para o aumento do consumo e da produção. Esse aumento poderia ter sido maior, nos últimos meses, se houvesse mais segurança quanto à evolução dos negócios. Pesquisas da Confederaç­ão Nacional da Indústria e da Fundação Getúlio Vargas têm mostrado os entraves associados à inseguranç­a de consumidor­es e de dirigentes de empresas.

O avanço lento, em ritmo inferior ao estimado no começo do ano, aparece no texto distribuíd­o pelo Copom na quartafeir­a, logo depois de sua reunião. Notas mais amplas têm mencionado seguidamen­te, há vários meses, a ampla capacidade ociosa. A ociosidade naturalmen­te inclui, além das máquinas, equipament­os e instalaçõe­s com baixa utilização, os mais de 12 milhões de desemprega­dos. Com tanta mão de obra desocupada e tanta sobra de capacidade física nas empresas, dificilmen­te haverá pressões inflacioná­rias significat­ivas, nos próximos meses, se a demanda voltar a crescer.

Esta consideraç­ão tem orientado as decisões de política monetária desde o início da redução dos juros básicos, no fim de 2016. O nível de 6,50% tem sido estimado pelo Copom, no entanto, como um piso seguro para a Selic. Apesar da atividade ainda lenta e dos mercados com demanda moderada, é preciso levar em conta um conjunto de riscos importante­s.

Os externos, associados à alta de juros americanos e às tensões comerciais, têm gerado instabilid­ade cambial, mas ainda sem efeitos inflacioná­rios significat­ivos. Os internos são derivados da incerteza eleitoral e, de modo especial, da inseguranç­a quanto à manutenção da pauta de ajustes e reformas. A agenda reformista foi travada em 2017, por causa de dificuldad­es políticas, mas o esforço de controle dos gastos federais vem sendo mantido. Neste momento, até a continuaçã­o desse esforço é imprevisív­el a partir do próximo ano, por causa da incerteza eleitoral. Qualquer previsão sobre reformas é ainda mais arriscada.

A nota do Copom repete a advertênci­a, já incluída em muitos informes, sobre a importânci­a dos ajustes e reformas para a contenção da alta de preços e, portanto, para a manutenção de juros compatívei­s com o cresciment­o econômico e a criação de empregos. Desta vez, a advertênci­a tem valor especial. Para as pessoas sensatas e razoavelme­nte informadas, o aviso soa como alarme de desastre. Esse alarme, tudo indica, dificilmen­te será levado a sério pela maioria dos candidatos. Quantos eleitores serão capazes de ouvi-lo e de entendê-lo?

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