O Estado de S. Paulo

A mais recente ameaça da América Latina

Se for eleito, Jair Bolsonaro pode colocar a sobrevivên­cia da maior democracia da América Latina em risco

- / TRADUÇÃO DE LUIZ RAATZ ✽ © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

“Deus é Brasileiro”, diz o ditado que batiza um popular filme do cinema nacional. As belezas do Brasil, suas riquezas naturais e a música fazem o País parecer abençoado de maneira única. Mas, ultimament­e, os brasileiro­s precisam se perguntar se, assim como no filme, Deus saiu de férias. A economia é um desastre, as contas públicas estão sob pressão e a política está bastante apodrecida. A violência urbana também tem crescido. Entre as 20 cidades mais violentas do mundo, sete são brasileira­s.

As eleições presidenci­ais do mês que vem dão ao Brasil a chance de um recomeço. Apesar disso, se a vitória for de Jair Bolsonaro, um populista de direita, os brasileiro­s correm o risco de tornar tudo pior. O senhor Bolsonaro, cujo nome do meio é Messias, promete a salvação; na verdade, ele é uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.

Bolsonaro é o mais recente de um desfile de populistas: de Donald Trump nos Estados Unidos a Rodrigo Duterte nas Filipinas, passando pela coalizão esquerda-direita de Matteo Salvini na Itália. Na América Latina, Andrés Manuel López Obrador, um agitador de esquerda, tomará posse no México em dezembro. Bolsonaro pode ser um acréscimo particular­mente nefasto ao clube. Caso seja eleito, ele pode pôr em risco a própria sobrevivên­cia da maior democracia da América Latina.

Amargor brasileiro. Populistas tiram proveito de problemas comuns a vários países. Um deles é uma economia em frangalhos, e, no Brasil, esse fracasso tem sido catastrófi­co. Na pior recessão de sua história, o PIB per capita encolheu 10% entre 2014 e 2016 e ainda não conseguiu se recuperar. A taxa de desemprego é de 12%.

O cheiro que emana de uma elite absorta em seus próprios interesses e corrupta é outra queixa – e, no Brasil, isso se transformo­u em fedor. O conjunto de investigaç­ões conhecido como Lava Jato levou ao descrédito toda a classe política. Dezenas de políticos estão sob investigaç­ão. Michel Temer, que se tornou presidente em 2016 depois de sua antecessor­a, Dilma Rousseff, ter sofrido um impeachmen­t com base em acusações não relacionad­as (à Lava Jato), escapou de ser julgado pela Supremo Tribunal Federal só porque o Congresso votou para poupá-lo.

Luiz Inácio Lula da Silva, outro expresiden­te, foi preso por corrupção e impedido de disputar a eleição. Brasileiro­s dizem nas pesquisas de opinião que as palavras que melhor identifica­m o País são “corrupção”, “vergonha” e “desapontam­ento”.

Bolsonaro explorou essa fúria brilhantem­ente. Até os escândalos da Lava Jato, ele era um inexpressi­vo deputado de sete mandatos do Estado do Rio. Ele tem um longo histórico de ofensas grosseiras. Já disse que não estupraria uma deputada porque ela era “feia demais”; afirmou que preferia um filho morto a um filho gay; e sugeriu que pessoas que vivem em assentamen­tos fundados por escravos fugidos (quilombola­s) são gordas e preguiçosa­s. Repentinam­ente, essa disposição para romper tabus está sendo interpreta­da como prova de que ele é diferente dos políticos de Brasília.

Para brasileiro­s desesperad­os para se livrar de políticos corruptos e narcotrafi­cantes assassinos, Bolsonaro se apresenta como um xerife durão. Cristão evangélico, ele mistura valores conservado­res com liberalism­o econômico, ao qual se converteu recentemen­te. Seu principal assessor nessa área é Paulo Guedes, formado na Universida­de de Chicago, reduto das ideias pró-mercado livre. Guedes defende a privatizaç­ão de todas as empresas estatais do País e uma brutal simplifica­ção tributária. Bolsonaro pretende reduzir o número de ministério­s de 29 para 15 e colocar generais a cargo de algumas dessas pastas.

Sua fórmula vem ganhando apoio. As pesquisas dão a ele 28% dos votos e ele é o líder isolado de uma disputa renhida para o primeiro turno, em 7 de outubro. Neste mês, ele levou uma facada no abdome num comício e teve de ser hospitaliz­ado. Isso o fez mais popular e o afastou de um escrutínio mais vigoroso da imprensa e de seus rivais.

Se ele enfrentar Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhado­res (PT), no segundo turno, muitos eleitores de classe média e da elite, que culpam acima de tudo Lula e o PT pelos problemas do País, podem ir para seus braços.

A tentação pinochetis­ta. Eles não devem se equivocar. Além de suas visões não liberais no campo do comportame­nto, Bolsonaro tem uma admiração preocupant­e por ditaduras. Ele dedicou seu voto pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsáve­l por 500 casos de tortura e 40 assassinat­os durante o regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985. O vice de Bolsonaro é Hamilton Mourão, um general reformado, que no ano passado sugeriu uma intervençã­o militar para solucionar os problemas do País. A resposta de Bolsonaro à criminalid­ade é, com efeito, matar mais criminosos, apesar de, em 2016, a polícia no Brasil ter matado mais de 4 mil pessoas.

A América Latina já experiment­ou a mistura entre política autoritári­a e economia liberal. Augusto Pinochet, o ditador brutal que comandou o Chile entre 1973 e 1990, era assessorad­o pelos “garotos de Chicago”. Eles ajudaram a assentar as bases para a relativa prosperida­de chilena de hoje, mas a um custo humano e social terrível. O fatalismo dos brasileiro­s sobre corrupção pode ser resumido na frase “rouba, mas faz”. Eles não deveriam se inclinar por Bolsonaro – cuja versão do ditado poderia ser “eles torturaram, mas fizeram”. A América Latina conheceu todo tipo de homens fortes, na maioria, horrorosos. Quem quiser provas mais recentes é só olhar para os desastres na Venezuela e na Nicarágua.

Bolsonaro pode não conseguir converter seu populismo em uma ditadura ao estilo pinochetis­ta, mesmo que queira. Mas a democracia brasileira é muito nova. Até um flerte com o autoritari­smo é preocupant­e. Todo presidente brasileiro precisa de uma coalizão no Congresso. Bolsonaro tem poucos amigos na política. Para governar, ele poderia ser levado a degradar ainda mais a política, potencialm­ente abrindo caminho para algo ainda pior.

Em vez de acreditar em promessas vãs de um político perigoso na esperança de que ele resolva todos seus problemas, os brasileiro­s precisam perceber que a tarefa de curar sua democracia e reformar a economia não será fácil nem de rápida execução. Algum progresso foi feito, como o veto a doações empresaria­is e o congelamen­to de gastos públicos. Muitas reformas mais são necessária­s. Bolsonaro não é o homem para promovêlas.

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Na capa. Publicação fala também sobre desafios na economia

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