A mais recente ameaça da América Latina
Se for eleito, Jair Bolsonaro pode colocar a sobrevivência da maior democracia da América Latina em risco
“Deus é Brasileiro”, diz o ditado que batiza um popular filme do cinema nacional. As belezas do Brasil, suas riquezas naturais e a música fazem o País parecer abençoado de maneira única. Mas, ultimamente, os brasileiros precisam se perguntar se, assim como no filme, Deus saiu de férias. A economia é um desastre, as contas públicas estão sob pressão e a política está bastante apodrecida. A violência urbana também tem crescido. Entre as 20 cidades mais violentas do mundo, sete são brasileiras.
As eleições presidenciais do mês que vem dão ao Brasil a chance de um recomeço. Apesar disso, se a vitória for de Jair Bolsonaro, um populista de direita, os brasileiros correm o risco de tornar tudo pior. O senhor Bolsonaro, cujo nome do meio é Messias, promete a salvação; na verdade, ele é uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.
Bolsonaro é o mais recente de um desfile de populistas: de Donald Trump nos Estados Unidos a Rodrigo Duterte nas Filipinas, passando pela coalizão esquerda-direita de Matteo Salvini na Itália. Na América Latina, Andrés Manuel López Obrador, um agitador de esquerda, tomará posse no México em dezembro. Bolsonaro pode ser um acréscimo particularmente nefasto ao clube. Caso seja eleito, ele pode pôr em risco a própria sobrevivência da maior democracia da América Latina.
Amargor brasileiro. Populistas tiram proveito de problemas comuns a vários países. Um deles é uma economia em frangalhos, e, no Brasil, esse fracasso tem sido catastrófico. Na pior recessão de sua história, o PIB per capita encolheu 10% entre 2014 e 2016 e ainda não conseguiu se recuperar. A taxa de desemprego é de 12%.
O cheiro que emana de uma elite absorta em seus próprios interesses e corrupta é outra queixa – e, no Brasil, isso se transformou em fedor. O conjunto de investigações conhecido como Lava Jato levou ao descrédito toda a classe política. Dezenas de políticos estão sob investigação. Michel Temer, que se tornou presidente em 2016 depois de sua antecessora, Dilma Rousseff, ter sofrido um impeachment com base em acusações não relacionadas (à Lava Jato), escapou de ser julgado pela Supremo Tribunal Federal só porque o Congresso votou para poupá-lo.
Luiz Inácio Lula da Silva, outro expresidente, foi preso por corrupção e impedido de disputar a eleição. Brasileiros dizem nas pesquisas de opinião que as palavras que melhor identificam o País são “corrupção”, “vergonha” e “desapontamento”.
Bolsonaro explorou essa fúria brilhantemente. Até os escândalos da Lava Jato, ele era um inexpressivo deputado de sete mandatos do Estado do Rio. Ele tem um longo histórico de ofensas grosseiras. Já disse que não estupraria uma deputada porque ela era “feia demais”; afirmou que preferia um filho morto a um filho gay; e sugeriu que pessoas que vivem em assentamentos fundados por escravos fugidos (quilombolas) são gordas e preguiçosas. Repentinamente, essa disposição para romper tabus está sendo interpretada como prova de que ele é diferente dos políticos de Brasília.
Para brasileiros desesperados para se livrar de políticos corruptos e narcotraficantes assassinos, Bolsonaro se apresenta como um xerife durão. Cristão evangélico, ele mistura valores conservadores com liberalismo econômico, ao qual se converteu recentemente. Seu principal assessor nessa área é Paulo Guedes, formado na Universidade de Chicago, reduto das ideias pró-mercado livre. Guedes defende a privatização de todas as empresas estatais do País e uma brutal simplificação tributária. Bolsonaro pretende reduzir o número de ministérios de 29 para 15 e colocar generais a cargo de algumas dessas pastas.
Sua fórmula vem ganhando apoio. As pesquisas dão a ele 28% dos votos e ele é o líder isolado de uma disputa renhida para o primeiro turno, em 7 de outubro. Neste mês, ele levou uma facada no abdome num comício e teve de ser hospitalizado. Isso o fez mais popular e o afastou de um escrutínio mais vigoroso da imprensa e de seus rivais.
Se ele enfrentar Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), no segundo turno, muitos eleitores de classe média e da elite, que culpam acima de tudo Lula e o PT pelos problemas do País, podem ir para seus braços.
A tentação pinochetista. Eles não devem se equivocar. Além de suas visões não liberais no campo do comportamento, Bolsonaro tem uma admiração preocupante por ditaduras. Ele dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 assassinatos durante o regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985. O vice de Bolsonaro é Hamilton Mourão, um general reformado, que no ano passado sugeriu uma intervenção militar para solucionar os problemas do País. A resposta de Bolsonaro à criminalidade é, com efeito, matar mais criminosos, apesar de, em 2016, a polícia no Brasil ter matado mais de 4 mil pessoas.
A América Latina já experimentou a mistura entre política autoritária e economia liberal. Augusto Pinochet, o ditador brutal que comandou o Chile entre 1973 e 1990, era assessorado pelos “garotos de Chicago”. Eles ajudaram a assentar as bases para a relativa prosperidade chilena de hoje, mas a um custo humano e social terrível. O fatalismo dos brasileiros sobre corrupção pode ser resumido na frase “rouba, mas faz”. Eles não deveriam se inclinar por Bolsonaro – cuja versão do ditado poderia ser “eles torturaram, mas fizeram”. A América Latina conheceu todo tipo de homens fortes, na maioria, horrorosos. Quem quiser provas mais recentes é só olhar para os desastres na Venezuela e na Nicarágua.
Bolsonaro pode não conseguir converter seu populismo em uma ditadura ao estilo pinochetista, mesmo que queira. Mas a democracia brasileira é muito nova. Até um flerte com o autoritarismo é preocupante. Todo presidente brasileiro precisa de uma coalizão no Congresso. Bolsonaro tem poucos amigos na política. Para governar, ele poderia ser levado a degradar ainda mais a política, potencialmente abrindo caminho para algo ainda pior.
Em vez de acreditar em promessas vãs de um político perigoso na esperança de que ele resolva todos seus problemas, os brasileiros precisam perceber que a tarefa de curar sua democracia e reformar a economia não será fácil nem de rápida execução. Algum progresso foi feito, como o veto a doações empresariais e o congelamento de gastos públicos. Muitas reformas mais são necessárias. Bolsonaro não é o homem para promovêlas.