O Estado de S. Paulo

Predileção por presidente­s tutelados

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Há um traço comum e insano nas duas candidatur­as a presidente que agora lideram as pesquisas de intenção de voto. Tanto num caso como noutro, boa parte dos eleitores espera que, uma vez eleito e empossado, o candidato de sua preferênci­a passe a governar sob a estrita tutela de outra pessoa.

No caso de Fernando Haddad tal expectativ­a vem sendo estimulada de forma escancarad­a. Próceres do PT vêm anunciando que Lula será indultado no primeiro dia de governo. E dando força à ideia de que o ex-presidente passará a ocupar sala ao lado do gabinete presidenci­al, no Planalto. A menos, claro, que prefira que Haddad ocupe a sala ao lado. Diante da péssima repercussã­o desse desvario, o candidato petista viu-se obrigado a esclarecer que Lula não será indultado. O que não impediu que Gleisi Hoffmann continuass­e a insistir que Lula será solto em breve e “terá o papel que quiser no governo”.

O PT continua a martelar que votar em Haddad é votar em Lula. E que é isso que permitirá ao “povo ser feliz de novo”. O que vem sendo omitido, neste novo engodo eleitoral, é que o povo deixou de ser feliz porque Lula permitiu que Dilma Rousseff lançasse o País no colossal atoleiro em que está metido, ao cometer o despropósi­to de alçá-la à Presidênci­a.

O silogismo completo deveria ser outro. Haddad é Lula, e como Lula é Dilma, Haddad é Dilma. E não será com Haddad que o povo vai ser feliz de novo. Para se livrar desse entalo, o candidato petista tem-se agarrado a uma narrativa descaradam­ente desonesta, que retoma a mentira do estelionat­o eleitoral de 2014 no ponto exato em que Dilma a deixou.

A brutal crise econômica deixada pelo PT não teria decorrido dos monumentai­s erros de Dilma, mas de uma conspiraçã­o do PSDB e do PMDB, que teria inviabiliz­ado seu segundo mandato. O mais preocupant­e é que, irredutíve­l como está na negação dos erros de Dilma, Haddad mostra-se pronto a voltar a cometêlos, ao adotar um programa de governo que parece ter saído do mesmo laboratóri­o em que foi concebida a desastrosa “nova matriz macroeconô­mica”. Tampouco há disposição da parte de Haddad de reconhecer os erros que acabaram deixando o PT no centro da Lava Jato e operações similares.

É notável que, no extremo oposto do espectro político, eleitores de Jair Bolsonaro também acalentem a ideia de eleger um presidente que governe sob tutela. Esperam que, desprepara­do como é, o candidato seja rigorosame­nte tutelado por Paulo Guedes.

É preciso ter em conta que não há entre Bolsonaro e Guedes a relação de abjeta submissão que se observa entre Haddad e Lula, e sim um precário casamento de conveniênc­ia, que deixa amplo espaço para dúvidas sobre a real ascendênci­a que o economista poderá ter sobre o capitão. O problema é que, no sinistro entorno de Bolsonaro, há muito mais gente querendo fazer a cabeça do capitão e com ideias bem mais condizente­s com as que o candidato sempre defendeu em três décadas de atuação no Congresso.

Até agora, a candidatur­a de Bolsonaro vinha tirando bom proveito do que talvez tenha sido a maior fake news da atual campanha presidenci­al: o mito de que Guedes deteria a fórmula mágica de um bombástico programa de ajuste fiscal instantâne­o que permitiria zerar o déficit primário do governo já em 2019. Mas a informação de que, em meio ao desespero de tentar entregar o prometido, Guedes estaria contemplan­do até a recriação de uma fantasmagó­rica e avantajada CPMF teve efeitos devastador­es sobre essa mistificaç­ão. Deixou pouco espaço para autoengano entre os que ainda se recusavam a perceber que o tal programa simplesmen­te não existe. Bolsonaro e sua turma já se deram conta disso. O que ainda não se sabe é como esse choque de realidade afetará sua relação com Guedes.

É hora de os eleitores de centro de todos os matizes – especialme­nte os que ficaram tentados a acreditar na fantasia de um presidente desprepara­do pilotado por Paulo Guedes – repensarem com todo cuidado como pretendem votar no primeiro turno.

O bombástico ajuste fiscal de Paulo Guedes é a maior ‘fake news’ da campanha

✽ ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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