O Estado de S. Paulo

Uma obra coletiva

Na Bienal, instalação do artista e curador espanhol Antonio Ballester Moreno contou com a ajuda de crianças de São Paulo

- Pedro Rocha ESPECIAL PARA O ESTADO

A pequena Valentina, de 5 anos, diz às pessoas que tem uma obra na Bienal de São Paulo, e não é mentira. Estudante do Centro Educaciona­l Unificado do Butantã, na capital paulista, ela contribuiu para a confecção de cogumelos de argila que compõem a instalação Vivam os Campos Livres, do artista e curador espanhol Antonio Ballester Moreno. A obra está no centro da entrada da 33.ª edição da Bienal, no térreo do Pavilhão do evento, que está aberto desde o início de setembro.

Os cerca de seis mil cogumelos foram produzidos por crianças de várias idades, estudantes de seis CEUs de São Paulo. Além das peças de argila, a instalação conta com quadros do próprio Moreno, com elementos da natureza. “A ideia é falar sobre o cresciment­o e para isso as crianças são um símbolo importante”, explica o artista ao Estado. “Os quadros em volta contextual­izam os cogumelos, que precisam de chuva, sol e do húmus da folha das árvores para crescer.” A argila não é por acaso, uma referência à Gênese.

Moreno lançou a ideia e a Fundação Bienal fez o contato com os CEUs. O artista, porém, quando chegou ao Brasil para a montagem do evento, fez questão de visitar os centros educaciona­is. “Eu agradeci, expliquei o projeto e pedi para que fossem ver e levassem os pais, está num lugar muito importante.” A ideia do local da obra foi do curadorger­al desta Bienal, o também espanhol Gabriel Pérez-Barreiro. “Para mim foi uma grande responsabi­lidade, mas entendo que é importante começar a Bienal com essa declaração de intenções”, diz Antonio Ballester. “O trabalho popular, das crianças, está aqui e não é mais ou menos importante.”

Em sua visita ao CEU Butantã, Moreno conheceu Valentina, que ficou encantada de ver o ídolo ao vivo. “Ela ficou deslumbrad­a. Pesquisamo­s sobre ele e vimos fotos e vídeos na internet”, conta o pai da menina, o administra­dor de empresas Diego Magalhães, que ajudou no processo. “Quando ela o viu pessoalmen­te ficou em choque.”

Segundo a professora de Valentina, Silvana Nascimento, o projeto gerou uma interação geral na escola. “A ideia foi abraçada não só pelas crianças, mas também pelas famílias e toda a comunidade escolar.” Na unidade do Butantã, foram quatro turmas de educação infantil, com cerca de 30 alunos envolvidos, entre 3 e 5 anos de idade.

A escola e as famílias estão mobilizado­s e uma excursão para levar as crianças e os pais ou responsáve­is à Bienal deve acontecer em breve. Silvana, porém, já teve oportunida­de de ver a obra finalizada e se emocionou. “Chorei, foi inexplicáv­el. O envolvimen­to das crianças foi tão bacana.”

O núcleo de Moreno na Bienal tem o título de sentido/comum e fala de infância também com brinquedos educativos do pedagogo alemão Friedrich Fröbel. Para Antonio, é importante que as crianças visitem exposições de arte. “Para elas não é o lugar mais divertido, não se pode correr, não se pode tocar nas obras”, explica. “Meu pai me levava todos os finais de semana para ver exposições e eu odiava, mas com o tempo reconheci que foi importante para mim.”

Para a professora Cristina Teles, do CEU de Vila Curuçá, a experiênci­a foi importante para seus alunos, que estão no 5.º ano do Fundamenta­l. “Pude perceber que trouxe a elas o respeito e uma ideia da participaç­ão de nós, seres humanos, neste século”, afirma a educadora, que ajudou na produção da obra. “Sinto-me responsáve­l também, o processo não aconteceri­a sem os professore­s.”

Na mesma escola, outra professora teve uma emoção dupla. Além de ajudar com a confecção de cogumelos na sua turma de 4.º ano, Vanessa Lima viu o seu filho Henrique, de 10 anos, contribuir para a obra. “Moramos na zona leste e é difícil um olhar para o lado de cá. A periferia tem coisa boa também.”

A escola foi convidada para a abertura da Bienal e Vanessa ficou surpresa ao constatar que todos os cogumelos feitos pelas crianças foram usados. “Alguns saíram tortos, não achei que fossem ser usados. Mas o conjunto ficou uma coisa linda”, opina. “Era possível ver a empolgação das crianças.”

 ?? GABRIELA BILÓ/ESTADÃO ?? Seis mil. É o número aproximado de cogumelos
GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Seis mil. É o número aproximado de cogumelos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil