Google, 20 anos.
Perto de bater US$ 1 trilhão em valor, gigante mira emergentes.
“Ok, Google, como seguir crescendo?” é o tipo de pergunta que Sundar Pichai, presidente da gigante americana, deve fazer ao seu assistente pessoal. Ao comemorar 20 anos neste mês e ser vista por analistas como candidata a bater US$ 1 trilhão em valor de mercado a companhia busca diversificar a atuação em sua terceira década.
Hoje, pelo menos 70% da receita do Google vem de mercados como EUA e Europa. Por outro lado, em países emergentes há um enorme contingente de usuários desconectados que pode se servir dos serviços da empresa. “Temos 3 bilhões de pessoas online. Nos próximos dois anos, mais 1 bilhão vai entrar na rede”, diz David Shapiro, diretor global de negócios. “Queremos entender como superar as dificuldades para que eles tenham uma boa experiência de uso.”
É um desafio: a aposta do Google é que o acesso será feito por smartphones de baixa performance e em regiões com dificuldades de conexão. Por outro lado, defende David Smith, vice-presidente da consultoria Gartner, é também uma grande oportunidade. “Nesses locais é possível continuar crescendo a taxas relevantes”.
Pilares. Dentro do Google, o projeto de crescer nos países emergentes é chamado de “Próximo Bilhão de Usuários” e tem três pilares: acesso, produtos e plataformas.
O primeiro ponto é o mais delicado. Para resolvê-lo, o Google trabalha tanto em soluções de conectividade quanto em aparelhos mais acessíveis. A ponta de lança desse esforço é o Android Go, versão “light” de seu sistema operacional, otimizada para usar menos memória e armazenamento de smartphones de entrada.
Nas outras pontas, a empresa busca lançar produtos como Gmail Go, YouTube Go ou Dattally, voltados para esse público. Os dois primeiros são versões simplificadas dos apps de e-mail e vídeo do Google; já o último ajuda usuários a controlar o consumo de dados móveis. No entanto, deixar serviços conhecidos mais enxutos não é o suficiente para torná-los acessíveis aos “novos” usuários.
O Google aposta também em plataformas como Google Assistant, sistema que pode ser acionado por comandos de voz – algo útil para usuários que tendem a ter baixa escolaridade ou índice de leitura. Se em sua versão original o assistente precisava estar sempre conectado à rede, agora ele é capaz de “lembrar” as buscas feitas por um usuário quando ele está desconectado, trazendo resultados quando encontra sinal de rede. É algo que dá resultados no Brasil – terceiro país que mais usa o assistente. “É também uma ferramenta de inclusão”, avalia o professor Fernando Meirelles da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Para analistas, o projeto tem interesse duplo e está ligado à figura de Picha, que trabalhou no desenvolvimento do Chrome e do Android. “É um cara ligado à democratização do acesso, mas também de olho nos negócios”, lembra William Castro Alves, da corretora Avenue.
Obstáculos. Há, no entanto, pedras no sapato que podem atrapalhar o caminho do Google. Uma delas é o próprio Android: hoje, ele é distribuído gratuitamente aos fabricantes de celulares, com a condição de que os aparelhos cheguem às lojas com apps do Google já instalados. É uma força no mercado, mas também uma fraqueza: em julho, esse aspecto foi visto como ameaça à livre concorrência pela União Europeia (UE). Na ocasião, o bloco econômico aplicou multa de R$ 19,3 bilhões e pediu mudanças no sistema.
“O Google está num momento suscetível: é um gigante que não consegue se mexer sem pisar em outros”, diz Diogo Coutinho, professor de Direito da USP. Para a empresa, que recorreu da decisão da UE, a regulação não enxerga o Android completamente. “É um sistema que permitiu o surgimento de aplicativos e criadores de conteúdo, sem isso os smartphones seriam mais caros”, diz Fábio Coelho, presidente do Google no Brasil.
Não é só o Android que pode afetar os planos da empresa, que oferece muitos serviços de forma gratuita, mas capta dados de seus usuários para conhecêlos melhor e ter mais precisão nos anúncios que exibe a eles. Uma onda de leis de proteção de dados pessoais, por exemplo, iniciada na Europa, mas já seguida no Brasil e na Califórnia também são obstáculos.
Para Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) o marco pode ser uma oportunidade para a empresa reavaliar a sua imagem. “O Google não é mais estreante, e o sucesso dele faz crescer a preocupação com o tamanho da empresa.”