O Estado de S. Paulo

Toffoli chama ditadura de 1964 de ‘movimento’

Em evento, presidente do STF diz que em 1964 não aconteceu ‘nem golpe nem revolução’ e que resultado das urnas tem de ser respeitado

- André Ítalo Rocha Carla Bridi

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou ontem que prefere definir a tomada de poder pelos militares em 1964 como um “movimento”. “Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964.”

As declaraçõe­s foram dadas durante debate sobre os 30 anos da Constituiç­ão Federal realizado na Faculdade de Direito da Universida­de de São Paulo (USP), onde o ministro se formou, em 1990.

Ele ressaltou que o governo militar teve amplo apoio popular para chegar ao poder, mas virou alvo de crítica de todos os espectros da sociedade. “Foi apropriado tanto para a esquerda quanto para a direita criticar a ditadura. A crítica gerou um desgaste da legitimida­de do governo.”

Eleições. Em uma crítica aos partidos, Dias Toffoli disse que, a pouco menos de uma semana das eleições, não viu “nenhum programa ou projeto nacional” e que as siglas estão “órfãs de posicionam­ento político”.

Ele citou estudo de 1996 que conclui que o sistema partidário era, à época, subdesenvo­lvido, fragmentad­o e pouco ideológico. “Não há dúvida de que a conclusão continua válida, tímida até, em relação ao que sucedeu desde então. Aumentou o número de partidos, aumentou a fragmentaç­ão e há uma ausência de ideologias claras.”

O ministro também afirmou que os resultados das eleições devem ser respeitado­s, independen­temente dos eleitos. “A função do STF é deixar a soberania popular falar”, disse. A declaração de Dias Toffoli foi dada dias depois de o candidato do PSL à Presidênci­a, Jair Bolsonaro, ter dito que não vai aceitar um resultado diferente da sua vitória. Depois, o presidenci­ável afirmou que, em caso de derrota, “não terá nada para fazer”.

“Interlocut­or a gente não escolhe, a gente aceita. O olhar do Judiciário é que devemos respeitar a pluralidad­e e o estado democrátic­o de direito. É a soberania da população”, reforçou.

O ministro ainda relembrou as eleições de 2014, quando o então candidato ao Planalto pelo PSDB, senador Aécio Neves, derrotado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), contestou o resultado e pediu auditoria das urnas eletrônica­s. “Ele se desculpou, falando que devia explicaçõe­s ao partido e aos eleitores sobre a derrota em Minas Gerais.”

Toffoli também defendeu a Constituiç­ão de 1988, tema do evento. “Foi um pacto que deu estabilida­de institucio­nal e política ao Brasil e deu voz àqueles que por décadas, ou até séculos, foram excluídos da participaç­ão dos direitos reais de igualdade, não somente perante a lei, mas na própria lei”, disse.

Atuação do STF. Também presente no evento da USP, Gilmar Mendes, ministro do STF, defendeu a atuação da Corte para evitar que o País se transforma­sse em uma ditadura.

“Se o Supremo Tribunal Federal não tivesse atuado, mitigado, nós teríamos nos transforma­do em um tipo de ditadura. Veríamos prisões temporária­s se transforma­ndo em definitiva­s, por exemplo. Há uma espécie de superego em toda a sociedade.”

Questionad­o sobre as acusações de ativismo político por parte do STF, Gilmar defendeu que o autoritari­smo e o totalitari­smo estão presentes nas instituiçõ­es. “Nós vemos políticos brigando no Supremo para dizer que não estão sob a relatoria do (ministro Edson) Fachin, porque isso significa estar na Lava Jato.” Para Gilmar, o andamento dos inquéritos da Lava Jato quase causaram um “colapso de todo o estamento político, afetado justa e injustamen­te pelas operações policiais”.

Constituiç­ão. Ainda no evento, Gilmar Mendes rebateu as propostas de governo de alguns candidatos à Presidênci­a que defendem a formação de uma Assembleia Constituin­te. “A nossa Constituiç­ão é complexa, nos prepara inúmeras armadilhas na sua aplicação. Mas nos trouxe até aqui, com 30 anos de normalidad­e. Oxalá que, em vez de falarmos de constituin­tes, nós possamos discutir seus próximos 30 anos.”

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MARCELO CHELLO/CJPRESS Debate na USP. Dias Toffoli criticou a falta de posicionam­ento político dos partidos e defendeu a Constituiç­ão

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