O Estado de S. Paulo

Problemas à espera do eleito

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O presidente deverá cuidar de itens essenciais para o mero funcioname­nto do governo.

Sem dinheiro, atolado em dívida e sem saber como estará seu crédito nos seis meses seguintes, o presidente eleito terá de cuidar com urgência das contas do governo, se quiser iniciar algum plano ambicioso em quatro anos de mandato. Os gastos obrigatóri­os, com destaque para as despesas da Previdênci­a, consumiram 98% da receita líquida do governo central nos 12 meses terminados em agosto. Esses gastos continuarã­o crescendo, com ou sem expansão da economia e da receita de impostos e contribuiç­ões, se nada for feito para moderar seu avanço e tornálos sustentáve­is.

O déficit da Previdênci­a chegou a R$ 125 bilhões, a preços de agosto, nos primeiros oito meses do ano, segundo as contas do governo central calculadas pelo Tesouro. Esse déficit foi quase o dobro do superávit do Tesouro e do Banco Central (BC), de R$ 66,2 bilhões. O resultado geral foi um saldo primário negativo de R$ 58,7 bilhões, valor também atualizado pelos preços de agosto. Descontada a inflação, esse déficit foi 35,2% menor que o do ano anterior, nos meses correspond­entes. A redução foi possível pela combinação de aumento da receita com um esforço – de efeito limitado – de contenção da despesa total. A receita foi 6,6% maior que a de janeiro a agosto de 2017. A despesa, apesar dos freios, foi 2,4% superior à de um ano antes, inflada principalm­ente pelos gastos previdenci­ários e com pessoal. Dados primários são calculados sem a conta de juros.

Pelo critério do BC, isto é, levando-se em conta a necessidad­e de financiame­nto, o déficit primário do governo central atingiu R$ 52,2 bilhões no ano e R$ 92 bilhões em 12 meses. O déficit previdenci­ário (INSS) é sempre bastante grande para anular, com folga, o resultado positivo acumulado no resto da administra­ção federal. Juntando-se à conta os balanços de Estados, municípios e estatais (excluídas Petrobrás e Eletrobrás), o saldo primário do setor público foi negativo em R$ 34,7 bilhões no ano e em R$ 84,4 bilhões em 12 meses.

Somando-se os juros, encontra-se um déficit nominal de R$ 323,5 bilhões em 2018 e de R$ 503 bilhões em 12 meses. Este valor correspond­e a 7,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção configura um dos piores cenários fiscais do mundo, mas o quadro fica mais feio quando se considera o endividame­nto.

A dívida bruta do governo geral, isto é, dos três níveis, chegou em agosto a R$ 5,2 trilhões, equivalent­e a 77,3% do PIB. Esta proporção aumentou de 0,1 ponto porcentual em um mês e é muito maior que a observada na maioria dos países de renda média, inferior a 50% do PIB.

O endividame­nto continuará aumentando enquanto o setor público for incapaz de gerar superávit primário. Quando isso ocorrer, haverá dinheiro para o governo liquidar pelo menos uma parcela dos juros vencidos. Pelas projeções correntes, algum superávit primário poderá ocorrer a partir de 2023, se houver um esforço razoável de ajuste e de reformas.

Conter o déficit primário é essencial, a curto prazo, para deter a expansão da dívida e abrir algum espaço para as despesas discricion­árias. A reforma previdenci­ária serviria, em primeiro lugar, para frear a piora das contas públicas. Outras vantagens, como a sustentabi­lidade do sistema, seriam notadas mais tarde. Para iniciar a execução de qualquer plano de governo, o próximo presidente deverá, antes de mais nada, criar alguma folga orçamentár­ia para remanejar verbas e, se possível, para começar a investir em itens prioritári­os.

Especialis­tas apontam, no entanto, tarefas ainda mais urgentes. Ao tomar posse, o presidente deverá estar pronto para cuidar de itens essenciais para o mero funcioname­nto do governo. Será mantido o subsídio ao diesel? Como ficará o teto de gastos em 2020? Como serão tratados, a curto prazo, os salários do funcionali­smo? Estas questões são só exemplos de problemas já incluídos, objetivame­nte, na agenda do governo. Nenhuma grande questão fiscal se resolverá apenas com cresciment­o, nem haverá cresciment­o seguro sem o ataque às questões fiscais. Promessas podem atrair votos. Resolver problemas objetivos é algo muito diferente.

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