O Estado de S. Paulo

O desafio de lidar com uma crise na região sem a ajuda dos EUA

- Jackson Diehl / W. POST / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É JORNALISTA

Enquanto os venezuelan­os fogem do país, os vizinhos latino-americanos enfrentam um teste crítico: é possível responder eficazment­e, sem a ajuda dos EUA, a uma crise que ameaça a própria estabilida­de? “É triste admitir, mas não temos condições”, disse o embaixador da Colômbia em Washington, Francisco Santos. Desde sua chegada, há algumas semanas, Santos vem tentando fazer o impossível: induzir o governo de Donald Trump a entrar na mais séria crise política e humana da América Latina em décadas. Sob a desastrosa gestão de um regime socialista autoritári­o, a economia venezuelan­a viu-se reduzida à metade em cinco anos. Dois milhões já deixaram o país – e o êxodo continua.

Santos diz que a Colômbia absorve 5 mil venezuelan­os a cada dia, além do 1 milhão de refugiados que já estão no país. São números avassalado­res para um país relativame­nte pobre que tenta se recuperar de décadas de violentas desordens. “Isso pode levar a Colômbia a uma crise de proporções nunca vistas”, disse o embaixador. “Não só a Colômbia, mas toda a América Latina pode ser desestabil­izada.”

Entre 1890 e 1990, sabia-se bem o que acontecia frente a uma crise dessa magnitude na região: os EUA intervinha­m, forçando a realização de eleições, apoiando rebeldes, articuland­o golpes ou, se julgassem necessário, invadindo países. No entanto, Trump é o terceiro presidente americano que evita se meter na crise venezuelan­a.

O governo Trump vem tomando medidas paliativas, como sancionar altos líderes de Caracas e contribuir com fundos para melhorar a situação de refugiados. Mas os EUA têm tão pouco empenho em dar uma resposta à crise na Venezuela. Isso deixa na Venezuela um vazio que aliados dos EUA lutam para preencher e do qual seus adversário­s tiram vantagem. A China acaba de conceder mais um empréstimo, de US$ 5 bilhões, ao regime de Maduro e a Rússia está ajudando a Venezuela a manter suas refinarias e postos de gasolina nos EUA.

Em termos práticos, uma invasão direta dos EUA à Venezuela estaria destinada ao fracasso. Ela arrastaria toda a América latina e, mesmo que houvesse pouca resistênci­a armada, seria difícil encontrar ou montar um governo alternativ­o. Entretanto, alguns grupos da região começam pensar em uma intervençã­o humanitári­a multilater­al, que se seguiria a um golpe palaciano contra Maduro – ou, talvez, a outra rebelião desesperad­a de uma população sem comida, remédios e energia elétrica. Os EUA estão tão desprepara­dos para essa contingênc­ia quanto para arcar com as consequênc­ias do outros milhões de venezuelan­os entrando na Colômbia. Santos está certo: é hora de começarem a se preparar.

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