O Estado de S. Paulo

Dimensões da política fiscal (4)

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Neste quarto artigo, de uma série de cinco, o objetivo é falar sobre a dimensão federativa da política fiscal, ou seja, sobre a distribuiç­ão entre a União, os Estados e os municípios da arrecadaçã­o e das despesas.

É muito comum ver propostas de descentral­ização das funções do setor público, via transferên­cias de recursos e competênci­as para os Estados e municípios. Pouco se discute, no entanto, se o modelo de financiame­nto dos entes subnaciona­is no Brasil – via tributação e transferên­cia de recursos – é adequado.

Tributação. Os Estados e os municípios têm autonomia para cobrar diversos impostos. Embora sejam possíveis melhorias em todos os tributos subnaciona­is, o grande problema está na tributação do consumo de bens e serviços. Os Estados são responsáve­is pela cobrança de ICMS (que incide em operações com mercadoria­s e sobre serviços de comunicaçã­o e transporte intermunic­ipal) e os municípios, pela cobrança do ISS (que incide sobre os demais serviços). Este modelo tem muitos problemas.

Por um lado, por serem cobrados dominantem­ente na origem, tanto o ICMS quanto o ISS dão margem à guerra fiscal. A guerra fiscal, além de reduzir a receita dos Estados e municípios, prejudican­do o financiame­nto das políticas públicas, tem efeitos danosos sobre a produtivid­ade, sendo uma forma ineficient­e de redução das desigualda­des regionais.

Por outro lado, a segmentaçã­o da base de incidência entre o ICMS e o ISS tem muitas consequênc­ias negativas. Uma delas é a tributação cumulativa, que onera os investimen­tos e prejudica as exportaçõe­s brasileira­s. Outra é a incompatib­ilidade com uma economia em rápida mudança, em que a fronteira entre bens e serviços tende a se tornar cada vez menos clara.

Por fim, a elevada autonomia de Estados e municípios na gestão da forma de cobrança do ICMS e do ISS resulta em enorme complexida­de para os contribuin­tes, elevando muito o custo burocrátic­o de pagar impostos no Brasil.

Não há nenhum problema em que Estados e municípios tributem o consumo de bens e serviços. Mas o ICMS e o ISS não são instrument­os adequados para atingir esse objetivo.

Transferên­cia de recursos. Para além de seus tributos próprios, o financiame­nto dos entes federados no Brasil depende muito de transferên­cias de recursos da União para os Estados e municípios e dos Estados para os municípios. Aqui, novamente, o modelo brasileiro deixa muito a desejar.

Por um lado, não há um único sistema de transferên­cia de recursos da União para os Estados e municípios, mas sim a sobreposiç­ão de vários regimes, como é o caso dos Fundos de Participaç­ão dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) e a distribuiç­ão de recursos destinados à saúde (via SUS) e à educação (Fundeb e salário-educação). Ao invés de um modelo gerido de forma a reduzir as desigualda­des regionais, o que se vê é a distribuiç­ão de recursos com base em critérios fragmentár­ios e setoriais que não conversam entre si.

É essencial rever o modelo de financiame­nto de Estados e municípios, para torná-lo mais eficiente e justo

Por outro lado, e principalm­ente, vários dos instrument­os de transferên­cia de recursos contribuem para piorar a distribuiç­ão regional da renda no País. Este é o caso, por exemplo, da distribuiç­ão de recursos do ICMS para os municípios, que é feita dominantem­ente com base no valor adicionado no município. Tal modelo resulta numa distribuiç­ão extremamen­te desigual da receita, benefician­do desproporc­ionalmente pequenos municípios com grandes unidades produtivas, em detrimento de municípios com grande população, mas poucas unidades produtivas.

É o caso, também, da distribuiç­ão dos royalties do petróleo e da exploração mineral entre Estados e municípios. Tais recursos, além de não guardarem qualquer proporção com as necessidad­es das populações locais, são altamente instáveis, dificultan­do a gestão das finanças públicas locais.

Em suma, antes de definir se a gestão fiscal no Brasil deve ser mais ou menos descentral­izada, é essencial rever o modelo de financiame­nto dos Estados e municípios, de modo a torná-lo mais eficiente e justo.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil