O Estado de S. Paulo

Seguindo em frente

Aos 82 anos, Robert Redford nega aposentado­ria e estreia ‘The Old Man & the Gun’

- Kathryn Shattuck NYT / NOVA YORK CLAUDIA BOZZO / TRADUÇÃO DE

Este era para ser um artigo sobre o encerramen­to de uma carreira. Mas em algum ponto, entre anunciar sua aposentado­ria de atuar no início de agosto e a estreia em Nova York no final de setembro do que seria seu último filme, The Old Man & the

Gun (O Velho e a Arma), Robert Redford aparenteme­nte mudou de ideia.

“Acho que foi um grande erro”, disse ele no dia seguinte à estreia. “Não me lembro como surgiu, mas falei algo sobre aposentado­ria. E o que eu realmente deveria ter feito era simplesmen­te nada dizer sobre isso e sair discretame­nte do tradiciona­l para uma nova categoria.”

Em The Old Man & the Gun, dirigido por David Lowery, Redford interpreta um sujeito evasivo com quem compartilh­a algumas semelhança­s: Forrest Tucker, um ladrão de banco de carreira e um artista de fuga – cavalheiro, charmoso e com uma experiênci­a incrível – que San Quentin e Alcatraz não conseguira­m conter. Sissy Spacek é Jewel, a viúva que captura a imaginação de Tucker embora não esteja realmente acreditand­o em tudo dele, e Casey Affleck é John Hunt, o detetive do Texas determinad­o a levar Tucker e seu bando de grisalhos (Danny Glover e Tom Waits) à justiça.

Como Tucker, Redford ainda tem a magia aos 82 anos: a voz sonora de um poeta ocidental, o cabelo despentead­o pelo vento e um sorriso de fazer os joelhos tremerem, juntamente com os espólios de um estadista mais velho – um Oscar de melhor diretor por Gente Como a Gente e um honorário para uma carreira que inclui a criação do Sundance Institute.

Em uma entrevista no TimesCente­r, onde ele, Spacek e Lowery se reuniram para uma conversa, Redford falou sobre o chamado da natureza, o poder do “era uma vez” e por que ele jamais dirá nunca mais outra vez. Esses são trechos editados da conversa. Você nos surpreende­u ao anunciar que talvez não estivesse se aposentand­o, afinal. Faço isso desde os 21 anos, então é um longo caminho. A gente diz: “Está na hora, está na hora” – não de parar, porque não consigo parar de jeito nenhum, apenas seguir em frente para um novo território. Mas, falar sobre isso atraiu muita atenção sobre mim, em vez do que eu estava fazendo aqui, que é promover e apoiar o filme de David Lowery.

Por que você escolheu The Old Man & the Gun como uma ostensiva apresentaç­ão final?

O filme que eu fiz por último (‘Nossas Noites’, com Jane Fonda) foi bem pesado porque era uma história de amor sobre pessoas idosas, e foi muito dramático e bem triste e teve alguns tons sombrios. E então eu pensei que seria bom sair disso e ir para algum lugar positivo e otimista. E este era o veículo perfeito. Além do mais, é uma história verdadeira. Ele roubou bancos 17 vezes, foi pego 17 vezes, foi mandado para a prisão 17 vezes e escapou 17 vezes. Essa é a história que me atraiu, porque ele sempre fez isso com um sorriso no rosto.

Você se divertiu muito ao interpreta­r um fora da lei. Quando eu era criança, em Los Angeles, nunca quis violar a lei, mas também não queria ser restringid­o pela lei. Queria estar um pouco fora. Queria a liberdade. E como cresci longe de problemas quando eu era mais jovem, decidi, bem, isso parece natural para mim. Fui então atraído para papéis em que se poderia interpreta­r o fora da lei, como em Butch Cassidy e Sundance Kid. Os fora da lei eram bandidos, mas eram divertidos de ver porque estavam se divertindo.

Você começou a atuar em Nova York no final dos anos 1950, mas desde então passou a simbolizar o Oeste. Qual é o fascínio? Oh, céus, a vastidão, a sua história, o poder de suas paisagens, as montanhas e os desertos, os rios, os vales. É tudo tão grande. Eu cresci no Oeste e dirigia de Los Angeles para a escola na Universida­de do Colorado, em Boulder, sempre tomando rotas diferentes. E toda vez que eu fazia isso, era um “Oh”.

E isso deu origem ao seu ambientali­smo?

Fui levado ao Parque Nacional de Yosemite aos 11 anos e, quando saí para o Inspiratio­n Point, parecia que Deus havia esculpido esse território. E lembro-me de pensar: não quero olhar para isso. Quero estar nisso. Então eu me candidatei a um emprego em Yosemite por dois verões para que pudesse realmente absorver o que ele representa­va. E foi aí que percebi o quanto o ambiente era importante, principalm­ente quando pude ver a erosão ao meu redor.

Quais são seus pensamento­s sobre o #MeToo e as mudanças em Hollywood, e por que elas demoraram tanto?

Bem, essa é a questão-chave, porque deveria ter acontecido antes. Sou muito interessad­o nos direitos das mulheres. Talvez seja por causa da minha mãe, que teve uma forte influência na minha vida, mas eu senti por um longo tempo que as mulheres deveriam ser mais ouvidas para estabelece­r um equilíbrio. E é por isso que me envolvi desde cedo com Gloria Steinem, quando ela começou a trabalhar com a revista Ms.E sem ter em mente o movimento #MeToo – porque é um momento no tempo, e está recebendo muita importânci­a – a mudança está acontecend­o há algum tempo. Está crescendo e se desenvolve­ndo, e continuará a crescer.

Você falou sobre a importânci­a da história em sua vida e fundou Sundance em parte para apoiar narrativas independen­tes.

É preciso que tudo comece com a história: qual é a história, quem são os personagen­s que incorporam a história e onde está a emoção? Uma das frases mais maravilhos­as que ouvi quando criança foi “era uma vez...” Então, contar histórias tornou-se extremamen­te importante para mim porque senti que é assim que você dá continuida­de ao longo do tempo.

Que história você planeja contar a seguir?

Tenho um projeto que eu iria dirigir, chamado 109 East Palace. É sobre (o físico J. Robert) Oppenheime­r e a bomba atômica em 1940 e o grupo de personagen­s que ele reuniu para desenvolve­r a bomba e o choque de personalid­ades entre eles em Los Alamos.

Qual é o maior equívoco do público sobre você?

Talvez isso tenha a ver, até um tempo atrás, com uma obsessão com a aparência – as pessoas se concentrar­am mais na aparência do que no que eu estava fazendo. E, portanto, quando eles me criticavam, em geral tinha mais a ver com minha aparência e não sobre os temas nos quais estava trabalhand­o, e isso costumava me incomodar. Acho que isso acabou quando fiquei mais velho.

Seis décadas, como você vê seu legado?

De alguma forma, quando alguém diz “E quanto ao seu legado?”, isso não tem registro no meu cérebro. Porque estou mais interessad­o em seguir adiante. Legado significa olhar para trás e tenho a tendência de não fazer isso.

Quando você finalmente decidir se aposentar, você vai nos informar?

Nunca, nunca.

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FRED R. CONRAD/THE NEW YORK TIMES Magia. O ator, que ganhou um Oscar pela carreira, defende o poder da frase ‘era uma vez’

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