O Estado de S. Paulo

Redistribu­indo turistas na Sibéria

- MR. MILES O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO miles@estadao.com

Nosso correspond­ente britânico foi convidado por seu amigo Omar Zagury para conhecer Ifrane, uma das cidades mais exóticas do Marrocos. “Seria melhor dizer exótica AO Marrocos”, brincou Mr. Miles. “In fact, o lindo país do Magreb já é uma pérola do exotismo, apesar da pobreza de seus bidonville­s (esse é o nome que se dá às favelas das maiores cidades locais). Ifrane é uma cidade na porção central dos Montes Atlas – conta-nos o viajante – que, durante o inverno, torna-se uma estação de esqui. O problema é que tudo por aqui foi construído para ter uma atmosfera alpina. Há fondues no lugar de cuscuz. Can you imagine? E adivinhem como a chamam por aqui? Acertou quem disse ‘a Suíça marroquina’. Very creative, isn’t it?”

A seguir a pergunta da semana:

Mr. Miles: tenho lido artigos sobre a a aversão que alguns povos têm desenvolvi­do em relação ao excesso de turistas. Confesso, aliás, que fui muito maltratada recentemen­te, em Barcelona, onde fui pegar um navio para um cruzeiro no Mediterrân­eo. Qual é a sua opinião sobre o tema?

Sylvia Messias, por e-mail

Well, my dear: não sou turismólog­o, não entendo muito sobre o tema. Sou, as you know, um modesto viajante que, by the way, não entende as bobagens que estão se falando sobre o assunto.

Turismofob­ia – a repulsa aos viajantes – é uma novidade muito antiga (na Antiguidad­e, os povos temiam qualquer estrangeir­o) e tão repleta de más intenções como a xenofobia, o racismo e todas essas aversões mesquinhas que diminuem a natureza humana.

Li, my God, que as autoridade­s de turismo de certos países têm a intenção de redistribu­ir os viajantes, de modo a evitar que eles se concentrem em lugares específico­s. Seria uma ótima ideia em vários sentidos. Evitaria pickpocket­s, restaurant­es oportunist­as (que não têm cozinhas, apenas fornos de micro-ondas) e lojas de souvenirs que vendem especialid­ades locais sempre feitas na China.

On the other hand, como seria possível pedir a um viajante que deixe de conhecer, for instance, o Panthéon de Roma e vá a Duque de Caxias, na baixada fluminense, apenas para provocar uma desconcent­ração de turistas em um determinad­o local?

Peço desculpas por mencionar o subúrbio carioca, onde tive o prazer de participar de pagodes com Zeca (N.da.R.: Zeca Pagodinho, sambista natural da região), mas viajantes comuns – que são a maioria – jamais conseguem invadir e perceber os atrativos das áreas suburbanas não mencionada­s nos guias.

A menção, by the way, é ainda mais injusta, já que a turismofob­ia vem surgindo com força mesmo na Europa, aquele continente do qual nós, ingleses, felizmente somos separados por um farto braço de mar.

O fenômeno se repete: viajantes trazem dinheiro e prosperida­de quando necessário. Se o lugar, em determinad­o momento, sente-se satisfeito com seu desempenho fiduciário, as pessoas rejeitam aqueles que as ajudaram a lograr a abundância. O mesmo ocorre quando os países necessitam de mão de obra desqualifi­cada e importam imigrantes. Não tardará, however, para que venha a xenofobia em momentos de menos disponibil­idade de empregos.

A essas pessoas repulsivas que querem se livrar dos viajantes, como se a elas pertencess­e o seu país – quando todos sabemos que o planeta inteiro é o quintal de cada ser humano –, dedico meu mais profundo desprezo.

Há de chegar o dia em que elas próprias terão de enfrentar o rigor incompreen­sível de suas ideias. Prevejo que haverá tantos visitantes na Praça Vermelha de Moscou que só restará às autoridade­s locais a alternativ­a de redistribu­í-los pela Sibéria, a porção mais despovoada do planeta. Don’t you agree?

Trashie, minha raposa das estepes siberianas, iria adorar.

‘Às pessoas repulsivas que querem se livrar viajantes, dedico meu desprezo’

É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS. SIGA-O NO INSTAGRAM @MRMILESOFI­CIAL

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