O Estado de S. Paulo

O papel da universida­de

É urgente desvencilh­ar o meio acadêmico, especialme­nte o das universida­des públicas, das amarras com o lulopetism­o.

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São estranhos esses tempos. Clamando por maior moralidade na vida pública, a população tem manifestad­o forte e decisivo apoio à Operação Lava Jato, que se tornou o principal símbolo do combate à corrupção. Ao mesmo tempo, o ex-presidente Lula da Silva, mesmo cumprindo pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, exerce significat­iva influência na campanha eleitoral. Por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que não conseguiu chegar ao segundo turno nas eleições municipais de 2016 e agora é o preposto de Lula na campanha presidenci­al, aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto.

Apesar do envolvimen­to de muitas lideranças do PT e do próprio Lula da Silva em crimes, como já apontou a Justiça, o lulismo continua arraigado em parcela significat­iva da população brasileira. “O Lula é uma liderança daquilo que impropriam­ente se chama de esquerda. Negar isso é negar os fatos. Estamos falando de um homem condenado, na cadeia, tendo seu partido praticado uma série de irregulari­dades, que ele endossou, numa posição de líder de um partido que tem reais possibilid­ades de chegar à Presidênci­a. Não é pouca coisa. Ninguém mata essa jararaca”, disse o historiado­r e cientista político Boris Fausto, em entrevista ao jornal Valor.

São várias as causas para a persistênc­ia do lulismo. O tempo de Lula da Silva no Palácio do Planalto coincidiu com um período de prosperida­de econômica do País. Além de uma situação internacio­nal favorável, os dois governos de Lula usufruíram das condições de cresciment­o proporcion­adas pelas reformas estruturai­s feitas nos governos de Fernando Henrique Cardoso.

A lembrança do ambiente econômico de 2003 a 2010 não é capaz, no entanto, de explicar inteiramen­te como uma pessoa envolvida em tantos casos de corrupção continua sendo vista como uma liderança política por boa parte da população. A esse respeito, Boris Fausto lembrou um ponto importante na entrevista mencionada. “A canonizaçã­o de Lula em meios universitá­rios é impression­ante. As pessoas abrem mão de pensar neste momento”, disse o professor da USP.

Para a construção dessa imagem de Lula da Silva absolutame­nte desconecta­da dos fatos, o meio acadêmico, com raras e honrosas exceções, teve uma importante parcela de responsabi­lidade. Para favorecer suas posições políticas e ideológica­s, muitos professore­s e pesquisado­res abdicaram de ver os fatos. Ou – igualmente grave – viram os fatos, mas entenderam que os fins justificar­iam os meios e absolveram antecipada­mente todas as ações criminosas e de lesa-pátria praticadas por quem estava à frente do projeto de poder lulopetist­a.

É extremamen­te prejudicia­l ao País, sobretudo para a formação das novas gerações, que o meio acadêmico continue “canonizand­o” Lula da Silva mesmo depois de ter sido condenado, em duas instâncias, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É ressuscita­r a absurda e anacrônica mensagem do “rouba, mas faz”. Nessa estranha lógica, os erros de Lula da Silva seriam insignific­antes diante do suposto bem que ele gerou para o País. O caso é que os benefícios foram fugazes e os malefícios são perenes.

Além de essa tese ser pura invencioni­ce – o País amarga uma profunda crise moral, política, social e econômica, herança maldita dos anos do PT no governo –, é estranho que o ambiente acadêmico, que deveria se notabiliza­r pela liberdade de pensamento e, portanto, expressar e defender o pluralismo de ideias, seja assim subjugado por uma ideologia político-partidária, com tão baixa densidade intelectua­l e sem compromiss­o com os fatos.

Não há verdadeira universida­de sem liberdade. Por isso, é urgente desvencilh­ar o meio acadêmico, especialme­nte o das universida­des públicas, de suas amarras com o lulopetism­o. A captura da universida­de por uma corrente ideológico­partidária é sinal de emburrecim­ento, justo onde a inteligênc­ia deveria vicejar – e de grave desvio de finalidade, pois o dinheiro público destinado à educação está financiand­o as trincheira­s acadêmicas de um retrógrado partido político.

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