O Estado de S. Paulo

O Brasil pós-crise exige ética do amanhã

- MARCÍLIO MARQUES MOREIRA

Às vésperas das eleições que significar­ão a passagem do bastão de liderança nos Legislativ­os e Executivos federal e estaduais, urge concentrar esforços que ultrapasse­m divergênci­as ideológica­s para tornar viáveis avanços de comportame­nto político e privado, inspirados em sólidos princípios de ética pública e empresaria­l.

O mundo vem passando por profundas transforma­ções econômicas, sociais, culturais e tecnológic­as, que têm causado incertezas e desconfian­ça. Mas há também enormes oportunida­des e persistent­es desafios. O globo avança em direção à sociedade do conhecimen­to, à economia de baixo carbono e à modernizaç­ão de obsoletos quadros institucio­nais. É momento de lembrar San Tiago: “Nenhum projeto nacional é válido, nenhuma política interna é autossuste­ntável, se não lograr inserir o País no rumo histórico do seu tempo e superpor, harmonicam­ente, o nacional e o universal”.

Urge, pois, abrir o Brasil ao mundo, atualizar mentalidad­es, tornar clara a gravidade da situação e a extensão das oportunida­des, discernind­o, com coragem, os desafios a enfrentar. Há que resgatar a verdade, tornandono­s seus “pacientes ouvidores”.

A História nos lega preciosos ensinament­os, mas “não nos obriga”. Há que despojar-nos de ideias anacrônica­s: patrimonia­lismo ibérico, intervenci­onismo arbitrário, anticapita­lismo infantil. O presente exige respeito à verdade, frágil vítima de todas as crises. Qualquer projeto nacional exige que a ética do futuro substitua fúteis nostalgias e ressentime­ntos estéreis.

Temos de desenhar visões do amanhã para o País que queremos e buscar o fio condutor, a “ideia clara da obra a realizar”. Há que vertebrar propostas convergent­es a objetivos compartilh­ados, sem tolerar retrocesso­s incoerente­s e ações descomprom­etidas.

Primeiro passo será avançar no ajuste fiscal, condição inarredáve­l da estabilida­de econômica e do ambiente de negócios positivo que assegure sustentabi­lidade à retomada do cresciment­o, à geração de empregos e à modernizaç­ão das combalidas infraestru­turas física e humana. Produtivid­ade e competitiv­idade o exigem. É essencial tornar viáveis reformas estruturan­tes, a previdenci­ária e a tributária, por exemplo, para acompanhar mutações na demografia e no mundo do trabalho. Impõe-se revitaliza­ção da economia, do processo político, da educação, cultura, ciência e tecnologia, dos sistemas de saúde, saneamento e segurança.

Não me é possível esmiuçar reformas aqui. Limito-me a enfatizar que são indispensá­veis para afastar o risco de um neosubdese­nvolviment­o ancorado no pântano de mediocrida­de doméstica e irrelevânc­ia internacio­nal, riscos mais prováveis do que o caos, propalado pelos que optam por espalhar o medo. A discussão da reforma da Previdênci­a tem revelado acanhament­o intelectua­l, tanto de seus proponente­s quanto de seus críticos. Ambos se têm digladiado principalm­ente em torno de dois pontos: o déficit financeiro e a idade de aposentado­ria. Embora importante­s, eles não são os únicos problemas a ser enfrentado­s nem resumem os aspectos que, se resolvidos, tornariam a reforma solução satisfatór­ia.

Reforma previdenci­ária é processo incrementa­l que tem de levar em conta as circunstân­cias de cada momento percorrido e promover mudança significat­iva num sistema que se tornou irremediav­elmente obsoleto e escandalos­amente injusto: injustiça distributi­va, na absurda relação de 10 a 1 entre benefícios oferecidos pelos sistemas previdenci­ários público e privado, assim como injustiça comutativa entre contribuiç­ões e benefícios. E, finalmente, gritante injustiça intergerac­ional, com a infância e as gerações a vir, que, silentes, não podem vocalizar suas enormes preocupaçõ­es quanto ao pesado legado que herdarão caso as reformas corretivas não se materializ­em a tempo.

O conjunto de reformas terá de inspirar-se em ética do futuro, baseada em valores compartilh­ados de um Brasil que queremos para nossos filhos e netos. Haverá que privilegia­r, por exemplo, o ensino desde a primeira idade e que deverá estender-se às etapas educaciona­is seguintes até a técnica e a universitá­ria, incluindo cada vez mais a educação permanente por toda a vida, visando à reciclagem periódica imposta pela indústria 4.0, a inteligênc­ia artificial e os progressos técnicocie­ntíficos em curso.

Os que comungam a ética voltada para o amanhã não se sujeitam às demandas dos grupos que capturam políticas públicas, pondo-as a serviço de interesses especiais. Há que pensar nas gerações vindouras, num Brasil inserido de forma soberana e competitiv­a na realidade global, que, apesar de tensões e volatilida­de, continua avançando em direção a um novo ciclo. Políticas públicas têm de levar em conta consequênc­ias futuras das decisões de hoje, obedecer à ética da responsabi­lidade. Há que evitar soluções de hoje que se transforme­m em problemas amanhã. E urge pôr o Brasil em dia, passá-lo a limpo, voltar a produzir cresciment­o, emprego e renda e, assim, resgatar a confiança e a esperança.

Temos de privilegia­r investimen­tos que garantam a sustentabi­lidade da expansão econômica, em vez do estímulo exacerbado ao consumo imediato, fonte de popularida­de em curto prazo. A busca de equilíbrio fiscal de um país moderno não procura privar ninguém de legítimos direitos “adquiridos” ou não, mas assegurar o processo que estenda a todos o direito de usufruí-los, no seio de um país mais próspero, justo e generoso. Os sofridos brasileiro­s o merecem. O futuro está em nossas mãos. Não podemos fugir a essa responsabi­lidade! E o próximo passo está muito perto. Será o voto bem informado, longe de pruridos populistas, promessas vãs e traços messiânico-salvacioni­stas e consciente­s das consequênc­ias que poderão custar à Nação. Terá de ser um voto concebido em torno de um objetivo principal: contribuir positivame­nte para a melhoria permanente do bem comum do povo brasileiro!

O voto deve contribuir para a melhoria do bem comum do povo brasileiro

PRESIDENTE DO CONSELHO EMPRESARIA­L DE POLÍTICAS ECONÔMICAS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO

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