O Estado de S. Paulo

VÍDEOS NA WEB ALIMENTAM TOM DE ADORAÇÃO

Mensagens entre evangélico­s relacionam a campanha de Bolsonaro a passagens da Bíblia

- Renata Agostini

“Qual o nome do nosso líder?”, pergunta um homem, microfone à mão. “Bol-so-na-ro!”, dizem os cerca de 70 fiéis que, vestidos de branco, formam nas águas do rio Jordão o número 17, referência à legenda do deputado. O local é foco de peregrinaç­ão por ter sido onde, segundo a Bíblia, Jesus foi batizado. Há dois anos, o próprio Bolsonaro fora batizado ali – católico, recebeu o sacramento de Pastor Everaldo, seguidor da Assembleia de Deus Madureira e presidente do PSC. “Mito! Mito! Mito!”, entoam os peregrinos, enquanto batem com os braços n’água em celebração.

O vídeo com a cena foi replicado pelo presidenci­ável do PSL no Facebook, onde 7 milhões de pessoas acompanham suas postagens. Ao público da página, foi oferecido também uma versão de música dos Beatles que vem circulando pelo WhatsApp. No vídeo, que mescla imagens religiosas a fotos de Bolsonaro no hospital, o refrão de Let it Be virou “Ele sim”. “Dos céus, Deus ordenou ao mito: filho, levanta-te, pois estou contigo. Já dei ordens aos meus arcanjos sobre ti”, diz a letra. “Derramo em ti a unção da vitória, a mesma que em Davi”, segue a música.

As mensagens que unem simbologia­s religiosas à candidatur­a do militar florescem na internet conforme a campanha avança. Orações para o candidato convivem com profecias sobre sua vitória na eleição. Vídeo postado no YouTube pelo canal Adoradores na Net traz mensagem de um pastor que teria tido uma revelação dias antes do atentado a Bolsonaro e pede orações para ele. Já teve quase duas milhões de visualizaç­ões.

Pelo WhatsApp, correntes com citações bíblicas que remeteriam aos candidatos têm feito sucesso entre evangélico­s. Uma delas sentencia que essa eleição é “bíblia pura” ao citar passagens: “Jair se levanta para defender o povo de Deus” e “Hadade foi adversário do povo de Deus, pois o detestava”. Ambos os trechos circulam fora de contexto e não correspond­em fielmente ao texto bíblico.

Segundo lideranças religiosas e pesquisado­res ouvidos pelo Estado, não se trata de fenômeno novo. Neste pleito, a proliferaç­ão de mensagens religiosas acompanha o aumento da adesão de eleitores cristãos à campanha de Bolsonaro, cujo lema é “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Entre católicos, ele tem 28% das intenções de voto. Entre evangélico­s, o apoio chega a 40%, diz o Ibope.

Para o professor da Unicamp Ronaldo de Almeida, boa parte do que circula é material de campanha “customizad­o” para o público religioso. Segundo ele, o cresciment­o da inserção de Bolsonaro no segmento e o apoio de lideranças evangélica­s já no primeiro turno surpreende­ram. “Apesar do discurso conservado­r, Bolsonaro tem valores contrários aos dos evangélico­s em temas como armamento ou defesa da tortura. Esse movimento é explicado pelo antipetism­o.”

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, diz que manifestaç­ões de apoio com referência­s bíblicas são naturais e fruto da criativida­de dos evangélico­s. Ele afirma que o voto em Bolsonaro não virá dessas mensagens, mas do repúdio às pautas do PT que, segundo ele, são contrárias à família. “No meio evangélico, demônio e PT estão muito próximos”, afirma. “Todo mundo vai de Bolsonaro”.

Para o deputado Marcos Feliciano (Podemos-SP), pastor que virou símbolo da ascensão conservado­ra no Congresso, as mensagens religiosas em homenagem a Bolsonaro são positivas. “Toda palavra contida na Bíblia foi escrita por homens e mulheres por inspiração divina. Qualquer referência deve ser encarada para o bem, demonstra conhecimen­to do povo de Deus pela palavra e intimidade para fazer uma analogia bem-humorada.”

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MARIELA GUIMARÃES/O TEMPO-29/5/2018 Cerimônia. Bolsonaro participa de culto evangélico em maio, em Belo Horizonte

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