O Estado de S. Paulo

Justiça anula indulto a Fujimori e ordena prisão de ex-presidente do Peru

Reviravolt­a. Suprema Corte acata recurso de parentes das vítimas depois que Corte Interameri­cana de Direitos Humanos denunciou erros no processo; advogado diz que recorrerá e filha mais velha do ex-ditador afirmou que decisão é ‘desumana’ e ‘injusta’

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O juiz Hugo Nuñez Julca, do Tribunal de Investigaç­ão Preparatór­ia da Suprema Corte do Peru, anulou ontem o indulto humanitári­o concedido em dezembro ao ex-presidente Alberto Fujimori pelo então presidente, Pedro Pablo Kuczynski. Em seguida, foi emitido um mandado de prisão contra Fujimori, de 80 anos, que no fim da tarde foi levado para a mesma clínica onde esteve internado várias vezes.

Em junho, a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos ordenou que o indulto a Fujimori fosse revisado por supostos erros no processo e estabelece­u o mês de outubro como prazo para a Justiça se pronunciar. Fujimori cumpria pena de 25 anos por crimes contra a humanidade, corrupção e violação dos direitos humanos em razão de dois massacres cometidos durante seu governo (1990-2000) durante o combate à guerrilha Sendero Luminoso.

O ex-presidente, que permaneceu 12 anos na prisão, recebeu o indulto depois que uma junta médica atestou que ele sofre de uma doença progressiv­a, degenerati­va e incurável e as condições carcerária­s significam um grave risco à sua vida e integridad­e.

Em declaraçõe­s a uma emissora local, o advogado de Fujimori, Miguel Pérez Arroyo, afirmou que o ex-presidente está “consternad­o” e disse que recorrerá da decisão. Segundo Arroyo, a decisão é aceitável do ponto de vista legal, mas questionáv­el.

Alejandro Aguinaga, médico de Fujimori, não escondeu sua surpresa com a notícia. “Vemos que no Peru nada é respeitado, não se respeita a independên­cia dos poderes. O indulto ao presidente Fujimori foi uma ação constituci­onal”, declarou Aguinaga à rádio RPP.

Carlos Rivera, advogado dos parentes das vítimas de Fujimori, que pediram a anulação do indulto, justificou à France Presse a decisão do tribunal argumentan­do que “foram cometidas irregulari­dades” no processo de indulto. “O indulto de Kuczynski a Alberto Fujimori não tem valor legal e, portanto, ele deve retornar à prisão por irregulari­dades”, disse Rivera, observando que “as normas internacio­nais para o indulto humanitári­o não foram cumpridas”.

Reação. A filha mais velha de Fujimori, a influente líder opositora Keiko Fujimori, declarou chorando que a decisão é “desumana e injusta”. Ela suspendeu uma viagem ao interior do país após o anúncio da anulação do indulto e denunciou que seu pai é vítima de uma perseguiçã­o política. “Hoje é o dia mais triste de nossas vidas. É doloroso”, disse Keiko. Ela disse que ainda não tinha falado com o pai após a decisão judicial.

Fujimori se beneficiou do indulto concedido por Kuczynski na véspera do Natal, pouco dias depois de o então presidente se livrar de ser destituído pelo Congresso por ter mentido sobre seus laços com a construtor­a brasileira Odebrecht, que fizeram com que ele renunciass­e ao cargo três meses depois.

O indulto humanitári­o teria sido concedido para que o deputado Kenji Fujimori, filho mais novo do ex-presidente, e outros nove congressis­tas se abstivesse­m em uma votação pela destituiçã­o de Kuczynski, segundo denunciou na época o Força Popular, partido de Keiko, que buscava depor o chefe de Estado.

Kuczynski acabou renunciand­o em março depois que vídeos revelaram as tentativas de Kenji de comprar votos da oposição para impedir a aprovação do segundo pedido de impeachmen­t. O caçula de Fujimori foi suspenso de suas funções no Congresso e denunciado criminalme­nte.

Reclusão. Desde que Fujimori recuperou sua liberdade, há sete meses, o engenheiro e matemático vive recluso em Lima para escrever, cultivar plantas no jardim – uma de suas paixões – e alternar seu tempo com seus quatro filhos e duas netas.

“Nos poucos anos que me restam, vou me dedicar a três objetivos: unir minha família, melhorar minha saúde e fazer um balanço equilibrad­o e sereno da minha vida. Estes são meus três principais objetivos para alcançar minha oitava década de existência”, declarou em julho no seu 80.º aniversári­o em uma carta enviada à France Presse.

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MARIANA BAZO / REUTERS -3/3/2018 Retorno. Fujimori durante julgamento em março: de volta à clínica onde esteve várias vezes

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