O Estado de S. Paulo

A ironia do cenário econômico

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Para muitos players do mercado financeiro o cenário econômico é binário, a depender do resultado das eleições. Julgam Jair Bolsonaro equipado para fazer reformas, enquanto Fernando Haddad representa­ria um risco de retrocesso. No entanto, ambos enfrentarã­o grandes dificuldad­es para governar e aprovar reformas estruturai­s, pois carecem de experiênci­a política e administra­tiva, e não têm projeto para o País ou agenda econômica bem definida.

A situação é grave e demandaria um presidente com maior envergadur­a política. O Brasil vive a mais grave crise fiscal da história, o que implica risco de shutdown de serviços públicos e de o presidente incorrer em crime fiscal nos próximos anos. Isso vale também para os governador­es. A recuperaçã­o cíclica da economia poderá frustrar, tendo em vista a provável alta da inflação e dos juros pelo Banco Central. Tudo isso em meio a uma sociedade indignada e instituiçõ­es fragilizad­as.

Os desafios de cada candidato são diferentes, já de largada. Para Haddad, será renegar a equivocada agenda econômica petista e montar uma equipe econômica competente e com credibilid­ade. Será necessária grande dose de coragem e humildade. Atributos raros.

Bolsonaro precisará enfrentar o desafio da política para construir uma base de apoio sólida e com partidos que exerçam liderança no Congresso, cedendo espaço no governo. O deputado é pouco hábil politicame­nte, a julgar pelas frequentes mudanças de partido e pela pobre performanc­e na Câmara, onde é associado ao “baixo clero”, apesar de estar em seu sétimo mandato parlamenta­r.

Pelas projeções dos analistas do mercado financeiro, o próximo governo será um sucesso, apesar de não sabermos qual a probabilid­ade atribuída ao cenário traçado. De acordo com o boletim Focus, a taxa Selic subirá para apenas 8% ao ano em 2019 (atualmente está em 6,5%), a inflação ficará em 4,2%, a cotação do dólar em R$3,83 no final do ano e o cresciment­o do PIB de 2,5%. Essas previsões, com pequenos ajustes, seguem para os anos seguintes. Traduzindo, os analistas apostam na continuida­de de reformas fiscais, tal que a inflação fique em torno da meta, sem exigir um aperto monetário pelo BC, bem como o avanço de reformas estruturai­s que elevem o potencial de cresciment­o do País.

Este cenário não é impossível, mas sua probabilid­ade, por ora, é baixa. O ambiente se manterá incerto mesmo após o resultado das eleições, e incerteza é veneno para investidor­es, produtores e consumidor­es. Teremos, ao menos, de aguardar a descida do palanque: o aceno de Haddad ao setor privado, após seus discursos antiajuste fiscal, e o aceno de Bolsonaro à política, após o discurso antipolíti­ca.

A ironia é que apesar dos discursos cheios de personalid­ade de ambos os lados e com críticas ao governo Temer, o próximo governo terá de ser de continuida­de do atual para o País voltar a crescer.

É recomendáv­el preservar ao máximo os times na Fazenda, no Planejamen­to e no Banco Central. Para tanto é necessário o presidente ter compromiss­o com uma agenda responsáve­l e modernizan­te. Com a urgência de reformas, o País não pode perder tempo aguardando o aprendizad­o de um novo time. Já basta a inexperiên­cia do próximo presidente.

É importante avançar com as várias propostas de reforma, que são importante contribuiç­ão do atual governo e também do Congresso. A lista é extensa: reforma da Previdênci­a, tributária, agenda BC+, marcos regulatóri­os dos setores de energia, privatizaç­ão da Eletrobrás, para citar as de maior visibilida­de.

A mais urgente é a reforma da Previdênci­a. Este sim é o divisor de águas do cenário binário. Não que sendo aprovada tudo se resolve, mas ela é central para o País afastar um cenário caótico. E tanto para Haddad como para Bolsonaro, será desafiador aprovar tempestiva­mente uma boa reforma.

Que venha a continuida­de da agenda econômica. Quanto menos inventar, melhor.

É necessário um compromiss­o com uma agenda responsáve­l e modernizan­te

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