O Estado de S. Paulo

Preservar meio ambiente pode dar lucro

Mecanismos para compensar financeira­mente quem preserva, como as Cotas de Reserva Ambiental, começam a ser adotados em grande escala

- Cristiane Barbieri ESPECIAL PARA O ESTADO

Aprovado há seis anos, o novo Código Florestal começa a transforma­r a preservaçã­o do meio ambiente em dinheiro no bolso do produtor rural. Após um longo debate sobre a constituci­onalidade e a validade de dispositiv­os da lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento em fevereiro e, agora, finalmente alguns instrument­os para compensar financeira­mente quem preserva, começam a ser adotados em maior escala.

Entre os instrument­os, estão o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), as Cotas de Reserva Ambiental (CRAs) e os títulos verdes. Todos eles se tornaram possíveis graças ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), que deve ser encerrado em dezembro.

Até o dia 8 deste mês, por exemplo, donos de reservas particular­es com planos de manejo no Paraná podem se inscrever no edital do PSA e pleitear valores que vão de R$ 10 mil a R$ 50 mil por ano. “Todos os Estados passam por dificuldad­es e o Paraná não é diferente, mas os proprietár­ios que voluntaria­mente têm o ônus da preservaçã­o merecem ser premiados”, diz Sueli Ota, coordenado­ra de biodiversi­dade e florestas da Secretaria de Meio Ambiente daquele Estado. O recurso de R$ 1,2 milhão, provenient­e do Fundo Estadual do Meio Ambiente, será destinado também ao monitorame­nto e à orientação dos proprietár­ios por um grupo técnico, criado especifica­mente para o projeto.

Apesar de a verba pública ser quase simbólica – e ainda restrita a poucos Estados e municípios –, os donos de terras beneficiad­os podem, ao mesmo tempo, fazer parte de outro mercado mais atraente: o das cotas de reserva. Títulos a serem negociados em Bolsa, são emitidos por quem tem mais reservas florestais do que exige a lei. Quem tem menos, compra esses papéis e compensa o passivo ambiental. “É o custo mais eficiente para quem tem déficit de áreas preservada­s regulariza­r sua situação: não é necessário abrir mão de áreas produtivas e ainda é possível ajudar uma região a ser preservada”, diz Plínio Ribeiro, presidente da Biofílica Investimen­tos Ambientais, especializ­ada na gestão e conservaçã­o de florestas. Além das cotas, os produtores com déficits de reservas podem investir em sua restauraçã­o.

Demanda. Segundo Ribeiro, o passivo ambiental das propriedad­es rurais hoje no País gira em torno de 20 a 25 milhões de hectares. Com o encerramen­to do CAR, a lei exige que os produtores rurais compensem seus déficits ambientais, e a demanda pelas cotas tem crescido. Grandes frigorífic­os e usinas, por exemplo, têm tirado de sua carteira fornecedor­es que não ajustaram sua conduta. O mesmo acontece com os bancos, que já exigem o CAR como condiciona­nte ao crédito rural e prometem limitá-lo a quem estiver ambientalm­ente irregular.

Para alguns especialis­tas, porém, uma decisão do STF sobre o tema pode atrapalhar o andamento desse mercado. “O tribunal entendeu que as cotas podem compensar ambientalm­ente áreas degradadas se forem equivalent­e em tamanho e estiverem no mesmo bioma, mas menciona também a necessidad­e de terem a mesma identidade ecológica”, afirma Rafaela Parra, advogada da VBSO e especialis­ta no tema. Um pequeno detalhe: ninguém sabe o que é identidade ecológica. “Já foram feitos encontros de pesquisado­res e estudos técnicos, mas ninguém sabe o que é isso e esse instrument­o foi enfraqueci­do.”

Para João Adrien, diretor executivo da Sociedade Rural Brasileira, que atuou para o estabeleci­mento de regras da compensaçã­o ambiental, estão sendo buscadas outras alternativ­as para se reverter esse entendimen­to.

Ribeiro acredita que a identidade ecológica será encarada como o bioma, com o qual técnicos e mercado estão acostumado­s. Sua percepção de que o sistema continuará andando vem do fato de a Biolífica, que recebeu aporte de R$ 7 milhões de três fundos de investimen­to desde que foi criada, triplicou de tamanho a cada ano, nos últimos três anos. Com 2,5 milhões de hectares de floresta como lastro em seu estoque, os negócios têm crescido. A empresa publica mensalment­e um boletim de quanto valem os títulos ao proprietár­io, em cada bioma, segundo a oferta e a demanda.

Na Mata Atlântica, um contrato de arrendamen­to vale em média R$ 270 por hectare por ano. Em São Paulo, chegam a R$ 400. No bioma da Amazônia, R$ 170, sendo que em Roraima vai a R$ 190. “Uma área que só significa custo ao produtor hoje vai gerar renda equivalent­e ao da criação de gado, por exemplo”, diz ele.

Títulos verdes. Mais consolidad­os

no mercado agrícola, os títulos verdes, agora ligados ao meio ambiente, também têm crescido. Para ficar apenas num exemplo, no início do ano, a Fibria emitiu um título de R$ 700 milhões para a preservaçã­o de florestas nativas em torno de sua fábrica em Jacareí e no manejo sustentáve­l de sua fazenda em São José dos Campos, bem como de resíduos, uso eficiente de água e energia sustentáve­l.

Segundo a Climate Bonds Initiative, entidade que estimula o mercado de capitais para soluções de mudanças climáticas, entre 2015 e 2017, o Brasil emitiu nove títulos verdes, que somaram US$ 3,67 bilhões. A grande maioria era ligada a projetos de energia e não ao agronegóci­o.

Recursos •

“Uma área que só significa custo ao produtor hoje vai gerar renda equivalent­e ao da criação de gado, por exemplo.” Plínio Ribeiro

PRESIDENTE DA BIOFÍLICA

INVESTIMEN­TOS AMBIENTAIS (ESPECIALIZ­ADA NA GESTÃO E CONSERVAÇíO DE FLORESTAS)

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO-12/5/2016 Mata Atlântica. Contrato de arrendamen­to vale em média R$ 270 por hectare por ano
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