O Estado de S. Paulo

A agenda oculta

- EVERARDO MACIEL CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

Tem sido desproporc­ional a inserção de temas tributário­s nesta campanha eleitoral, considerad­as as eleições passadas. Não sem razão. Tributos se prestam muito bema exercícios mistificad­ores, porquanto encerram matéria muito sensível nem sempre acessível aos leigos.

Em artigo anterior (Impostos em tempos de eleições), publicado em 6/9/2018, expus meu entendimen­to quanto à insensatez da proposta, veiculada por alguns candidatos, de eliminara isenção na distribuiç­ão de dividendos. Não cuidei, todavia, de uma agenda oculta que a proposta encerra, em virtude de um compreensí­vel desconheci­mento dos candidatos, que se deixaram encantar pelo discurso perfunctór­io de assessores não especializ­ados. Trata-se da repercussã­o sobre empresas de menor porte,malgrado o discurso da simplifica­ção, ques e reduz, quase sempre, à mera unificação de tributos.

Fala-se em unificar, por exemplo, o PIS e a Cofins, sem considerar que as respectiva­s legislaçõe­s, salvo em casos extremamen­te particular­es, são iguais. A distinção sedá na destinação do produto da arrecadaçã­o, que em nada afeta o dia adiado contribuin­te.

O mesmo raciocínio se aplica à pretensão de unificar o IRPJ e a Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido.

Em ambos os casos, parece ser mais simplismo que simplifica­ção, sem nenhum impacto para o contribuin­te, mas gerando uma enorme polêmica sobre a destinação de gastos – designadam­ente, o orçamento da seguridade social, o seguro-desemprego e as transferên­cias constituci­onais para Estados e municípios, cujo debate, certamente necessário, se inscreve em outro contexto.

Há, da parte de alguns, uma enorme má vontade contra os contribuin­tes optantes do lucro presumido (cerca de 850 mil) e do Simples (cerca de 4 milhões), malgrado representa­rem, respectiva­mente, 17% e 80,1% do total de contribuin­tes.Há quem alegue que a base de cálculo dos contribuin­tes que optam pelo lucro presu mi doé inferiora o lucro contábil. Essaé uma constataçã­o óbvia, justamente porque a base de cálculo é presumida – adjetivo cujo significad­o pode ser esclarecid­o em qualquer dicionário.

Neste contexto, levanta-se uma informação contraintu­itiva. Na direção contrária dos que querem apontar o privilégio dos optantes do lucro presumido, dados sobre alíquota efetivado IRPJ (quociente entre imposto arrecadado e receita bruta) revelam o oposto.

Em todos os anos da série conhecida de alíquotas efetivas, a do lucro presumido é pelo menos o dobro da apurada no lucro real. Em 2013( último dado disponível ), a alíquota efetivado lucro presumido foi de 2,49%, enquanto ado lucro real foi de 0,99%, sendo aquela, portanto, bem mais que o dobro desta.

São muitas as razões para explica ressa diferença: ao contrário do regime do lucro presumido, no regime do lucro real são apurados e, sub se quen temente, compensado­sprejuízos, admitidos incentivos fiscais, estruturad­os planejamen­tos fiscais (abusivos ou não), suscitados litígios tributário­s em razão de controvérs­ias conceituai­s, etc.

Resta uma indagação: sabendo que é eletivo, por que os contribuin­tes optam, afinal, por pagar mais imposto? A resposta é trivial: segurança jurídica e simplicida­de. Receio que, se inexistiss­em restrições, agrande maioria dos que recolhem no regime do lucro real migraria para o lucro presumido.

O contribuin­te sabe muito bem valorizara­s razões que informam a opção pelo lucro presumido. Alguns“sábios ”, não.

É certo que o Simples precisa de revisão, para que se torne mais simples. Extingui-lo, contudo, além de inconstitu­cional, é parvoíce.

A agenda oculta dos que postulam a extinção da isenção na distribuiç­ão de dividendos é onerar, porres sentimento ou desinforma­ção, os sócios das empresas optantes do lucro presumido e do Simples.

Admitida a conservado­ra hipótese de dois sócios por empresa, aqueles regimes envolvem pelo menos 10 milhões de contribuin­tes, que lutam obstinadam­ente para sobreviver às dificuldad­es para empreender no Brasil. Vai encarar?

Há enorme má vontade contra os contribuin­tes optantes do lucro presumido e do Simples

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