Cultura do milho e do porco
Arroz de suã, angu, cuscuz paulista, vaca atolada, bolo de fubá, barreado, picadinho, tutu de feijão, virados. Esses e mais uma infinidade de pratos (com milho ou porco, em sua maioria) se somam para chegar às cerca de 270 receitas listadas no livro A Culinária Caipira da Paulistânia (ed. Três Estrelas), que o sociólogo Carlos Alberto Dória e o chef Marcelo Corrêa Bastos lançam no próximo dia 15.
Não é um tradicional livro de receitas: não há fotos nem lista de ingredientes ou passo a passo dos preparos. É um livro para entender o receituário caipira. Os pratos são descritos brevemente, com seu “modo de fazer” tradicional – para o arroz de suã, por exemplo, há dez linhas de explicações sobre a fritura de pedaços da espinha dorsal do porco, que recebem temperos, arroz e água.
Os pratos, divididos por ingredientes (milho, arroz, feijão) ou por modos de fazer (cozidos, refogados, virados), são fruto de pesquisa em muita bibliografia e documentos históricos, além de relatos orais.
Mas essa é a segunda metade do livro, que é antecedida por uma digressão histórica sobre a formação da cultura caipira. Ao fazer um longo percurso do século 16 ao século 19, o livro traça uma grande região no centrosul do País, a Paulistânia, termo usado como denominador culinário-cultural que vai além das fronteiras políticas dos Estados – Minas, São Paulo ou Paraná.
Essa porção vai sendo determinada lá atrás pelas rotas dos bandeirantes, que sobem a serra para desbravar o sertão. O povo que vai perdurar majoritariamente é o mameluco, combinação de portugueses com os índios guaranis ali presentes.
Achatando séculos de história neste texto, depois é com a mineração que os habitantes vão se fixar na terra, em sítios, pequenas propriedades onde eles praticam uma agricultura de subsistência: criam porcos e galinhas, plantam milho e hortaliças para comer e para alimentar esses e outros animais.
Sobre o milho, o livro conta que o grão “se firmou como alimento básico não por opção gastronômica”, mas porque “era fácil de transportar em sementes e, uma vez plantado, já fornecia alimento em quatro meses”.
Para explicar por que o caipira foi colocado à margem e seu receituário ficou no “imaginário nacional quase que exclusivamente como cozinha mineira”, o livro mostra que a decadência começa com o avanço das cidades, do café para o oeste paulista, da comida industrializada, dos hábitos dos imigrantes europeus e “pelo solene desprezo que o Brasil moderno devota ao passado indígena”.