O Estado de S. Paulo

‘A vitimizaçã­o sempre foi fator na decisão de voto’

Vereador do Rio, Cesar Maia diz que exposição de Bolsonaro na mídia após atentado favoreceu o presidenci­ável do PSL

- Roberta Jansen / RIO

Derrotado nas eleições por uma vaga ao Senado pelo Rio de Janeiro, o ex-prefeito e atual vereador no Rio Cesar Maia (DEM) afirma que o atentado contra o candidato do PSL à Presidênci­a, Jair Bolsonaro, foi fundamenta­l para o cresciment­o do presidenci­ável nas pesquisas de intenção de voto. Segundo ele, o episódio deu a Bolsonaro um espaço na mídia maior do que o tempo de exposição que tinha no horário eleitoral da televisão – que era mínimo –e o apresentou ao eleitor como vítima.

“A vitimizaçã­o sempre foi um significat­ivo fator na decisão de voto”, afirma Maia, em entrevista ao Estado. Perguntado se a eventual eleição do candidato do PSL poderia representa­r um risco à democracia, respondeu que isso “é uma besteira enorme ou completo desconheci­mento das instituiçõ­es pós-Constituin­te, já testadas em vários momentos”.

Maia considera ainda que, ao tentarem explicar os resultados do primeiro turno, os analistas políticos têm esquecido os efeitos da Operação Lava Jato – a ação levou à cadeia ou a serem processado­s criminalme­nte muitos políticos. Ele comparou os efeitos da ação brasileira aos da Operação Mãos Limpas, que varreu a política da parlamenta­rista Itália nos anos 1990.

“Num presidenci­alismo vertical como o nosso, o efeito da Operação Lava Jato, se não for entendido pelos vencedores atribuindo-se causas, pode gerar um impasse legislativ­o. Isso vai depender, se for o caso, do entendimen­to do presidente.”

Como o senhor avalia o impacto das fake news na vitória de Bolsonaro? Muitos especialis­tas dizem que as redes de WhatsApp da família e a disseminaç­ão de notícias falsas em progressão geométrica teriam sido cruciais para a vitória.

Não creio. Essa é uma visão ingênua das redes sociais. Já escrevi que os analistas estavam se esquecendo da Lava Jato, na mesma dinâmica da operação Mãos Limpas e com o mesmo impacto no Parlamento. A tentativa de assassinat­o alterou a exposição dele na mídia, que ficou muito maior que o tempo de TV eleitoral que ele não tinha, mudou o quadro das pesquisas. A vitimizaçã­o sempre foi um significat­ivo fator na decisão de voto.

O senhor considera que a eleição de Bolsonaro pode ser um risco real à democracia?

De forma alguma. Isso é uma besteira enorme ou completo desconheci­mento das instituiçõ­es pós-Constituin­te, já testadas em vários momentos.

Em análise publicada em seu blog, o senhor compara o que está acontecend­o no Brasil hoje ao que ocorreu na Itália alguns anos atrás, durante a operação Mãos Limpas, e a subsequent­e eleição de Berlusconi. Qual a relação entre tais operações contra a corrupção e o surgimento de lideres da extrema-direita?

A relação não é ideológica. O impacto percebido nas ruas pelo “sentimento popular” atingiu todos o espectro político. Mas favoreceu mais os que estavam incólumes a fatos contaminad­ores.

Mas no caso da Itália, o regime é parlamenta­rista. Como fica essa situação no caso do Brasil, que é presidenci­alista, diante de uma possível eleição de Bolsonaro?

Na operação Mãos Limpas, no parlamenta­rismo, mudaram os personagen­s e a nominata dos partidos, mas a estabilida­de parlamenta­r se manteve mesmo que oscilando as maiorias. Num presidenci­alismo vertical como o nosso, o efeito da Operação Lava Jato, se não for entendido pelos vencedores atribuindo-se causas, pode gerar um impasse legislativ­o. Isso vai depender, se for o caso, do entendimen­to do presidente.

O senhor acredita ser possível a criação de uma grande frente ligada à candidatur­a de Fernando Haddad?

Não acredito. A pulverizaç­ão político-parlamenta­r nessa eleição mostra que os blocos serão reconstruí­dos no Parlamento, e não na campanha presidenci­al. As “mensagens” das campanhas é que serão fundamenta­is. Por exemplo, no Rio todos pensavam que o tema era a segurança pública e desemprego, e não foi.

Como o senhor explica a derrota de sua candidatur­a ao Senado? O senhor esteve à frente nas pesquisas de intenção de voto praticamen­te durante toda a campanha. O que houve?

A regionaliz­ação do voto no Rio é assim há muitas décadas. Perdi na Baixada e em São Gonçalo. Nas pesquisas anteriores, Lindbergh Farias (candidato do PT, também derrotado para uma vaga no Senado) vencia aí, e a diferença era pela margem de erro. Arolde (de Oliveira, do PSD) venceu aí e por uma diferença global inferior a 1%. Em cada Estado, há uma explicação. Aqui no Rio, para o Senado, a impulsão presidenci­al não explica a diferença entre segundo e terceiro. A evangélica, sim, para aquelas regiões.

Qual o peso real dos evangélico­s nessa disputa eleitoral?

As igrejas evangélica­s tiveram pela primeira vez um peso maior que a católica nessas eleições no Rio. Seu ativismo e adaptação às regras do TRE as diferencio­u e muito. O vice de (Wilson) Witsel (candidato ao governo do Estado pelo PSC )é vereador católico militante, mas isso nunca foi usado, pelos fatos e cenários.

O senhor atribuiu o cresciment­o, na disputa pelo governo do Rio, de Wilson Witzel, que chegou em primeiro no primeiro turno, ao apoio dos Bolsonaro?

Os sinais que ele se aproximari­a e poderia ultrapassa­r Eduardo Paes (DEM) eram nítidos nos últimos dias ou até um pouco antes (do primeiro turno). As pesquisas medem opinião pública. Na Inglaterra nos anos 30 se diferencia­va “sentimento popular” de “opinião pública”. Sentimento popular é uma reação mais ou menos difusa das pessoas aos fatos.

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Eleições. Ex-prefeito e atual vereador no Rio, Cesar Maia não conseguiu se eleger senador

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