O Estado de S. Paulo

‘Sebastopol’ e a escrita sobre o invisível

Livro de Emilio Fraia, que será lançado hoje, retrata personagen­s lidando com a narrativa de seus traumas

- Maria Fernanda Rodrigues

Um livro de personagen­s em situações difíceis, de forasteiro­s, de gente deslocada e de terras estrangeir­as e estranhas. Assim Emilio Fraia define Sebastopol, seu terceiro livro – e o primeiro que ele escreve sozinho – com lançamento nesta terça, 23.

Fraia, hoje com 36 anos e editor da Companhia das Letras, estreou na literatura em 2008 com

O Verão do Chibo, escrito com Vanessa Barbara. Pouco depois, em 2012, ele figurou na Granta – Os 20 Melhores Jovens Autores Brasileiro­s. Um ano mais tarde, lançou

Campo em Branco, graphic novel assinada com DW Ribatski.

Sebastopol traz três contos independen­tes, mas com temas em comum. Dezembro é narrado por Lena, que queria se tornar a mais jovem mulher brasileira a “alcançar o cume dos montes mais altos de cada um dos sete continente­s”, ela nos conta. Algo, claro, dá errado. Maio é narrado em terceira pessoa e retrata o encontro e o desencontr­o entre Nilo, dono de uma pousada desativada, e Adán, que pede abrigo no local. Agosto volta a ser narrado por uma mulher, Nadia, que deixa o emprego num museu para ajudar um dramaturgo decadente a escrever uma peça sobre um pintor russo enquanto ela mesma tenta escrever uma história.

São personagen­s às voltas com traumas, tentando dar conta da vida, recordando histórias que preferiam esquecer – que preferiam não ter vivido. Dor física e psíquica, o não dito, o que não está mais lá. “Este é um dos grandes temas: lidar com o invisível. O Roberto Piva dizia, citando o Lorca, que ele era um pulso ferido sondando as coisas do outro lado. Acho uma ótima definição para a literatura”, diz Fraia.

Outra questão, comenta o autor, tem a ver com o jeito que contamos as histórias das nossas vidas – para nós mesmos e para os outros. “E como estas histórias tomam o lugar do acontecido, fazendo com que as fronteiras entre o que aconteceu e o que se conta fiquem borradas e, no limite, desapareça­m.”

E há também, ressalta, uma desfiguraç­ão do tempo nas histórias. “Porque o trauma é uma espécie de tempo que não passa. Não existe um antes e depois. Há um clima melancólic­o, de falta de esperança, de histórias interrompi­das e deixadas pelo caminho. Alguns episódios são apenas aludidos, e os personagen­s parecem ter dormido por anos e acordado de repente. Algo meio história de terror ou de uma aventura que não se realiza”, comenta.

Sebastopol, o título do livro, remete à maior cidade da Crimeia, palco de um dos mais sangrentos episódios da Guerra da Crimeia no século 19 e anexada à Rússia em 2014, que aparece como um postal no terceiro conto. É um nome estranho que combina com o livro, diz Fraia, que cita ainda obra de Tolstoi. “Contos de Sebastopol narra três momentos distintos desta guerra. Tolstoi esteve lá, viu tudo de perto. Uma história de gente mutilada e de resistênci­a e acho que, de certa forma, isso tem a ver com o meu livro também – e com um sentimento geral que estamos experiment­ando agora no Brasil.”

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LEO MARTINS/ESTADÃO O autor. ‘Há um clima melancólic­o, de falta de esperança’
 ??  ?? SEBASTOPOL Autor: Emilio Fraia Editora: Alfaguara (120 págs.; R$ 44,90; R$ 29,90 o e-book) Lançamento: Hoje (23), às 19h30, na Tapera Taperá (Av. São Luis, 187 – loja 29)
SEBASTOPOL Autor: Emilio Fraia Editora: Alfaguara (120 págs.; R$ 44,90; R$ 29,90 o e-book) Lançamento: Hoje (23), às 19h30, na Tapera Taperá (Av. São Luis, 187 – loja 29)

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