O Estado de S. Paulo

São Paulo corre risco de enfrentar escassez hídrica constante

Mudança do clima mantém sinal amarelo aceso; para cientistas, região deve continuar sofrendo com as oscilações extremas

- Eduardo Geraque

A crise hídrica que afetou a Região Sudeste do Brasil, em especial São Paulo, a partir de 2013 e com mais força entre 2014 e 2015, pode ter sido um evento extremo único no registro histórico da meteorolog­ia paulista. Mas em um cenário em que as temperatur­as estão cada vez mais altas – afetando a evaporação dos reservatór­ios –, e a tendência de chuvas sobre o sistema Cantareira é de queda, as condições para a ocorrência de novas crises hídricas continuam sobre a mesa.

Soma-se a isso o fato de que, apesar de a crise hídrica ter diminuído o padrão de consumo das famílias, parte da população retomou gastos de água que estão acima do esperado.

Especialis­tas que se debruçaram sobre as causas da crise apontam que, consideran­do as séries históricas de chuvas e temperatur­as que existem para a região, tratou-se de um evento único. E dizem que ainda não é possível afirmar que seja uma consequênc­ia ou tenha sido mais grave por causa das mudanças climáticas que afetam o planeta. Tampouco, porém, significa que o aumento das emissões antrópicas de gases de efeito estufa esteja fora da equação.

“Quando se avalia a frequência e a tendência de eventos extremos, pode se supor que a estiagem registrada no Sudeste faz parte das mudanças que estamos sentindo em função do aqueciment­o global”, afirma Tercio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféric­as da Universida­de de São Paulo.

Como a temperatur­a média global tem aumentado sistematic­amente, inclusive batendo recordes globais nos anos mais recentes, segundo Ambrizzi, o sistema climático como um todo passa a sentir este aumento de energia e reage para manter um equilíbrio global.

“Existe uma grande probabilid­ade de a região Sudeste do Brasil, e também a região metropolit­ana de São Paulo, continuare­m a sofrer oscilações de extremos climáticos em decorrênci­a da elevação da temperatur­a global, podendo levar à ocorrência de secas ou inundações”, diz o pesquisado­r.

Segundo ele, o fato de as precipitaç­ões no Sudeste brasileiro estarem abaixo da média desde 2011 já é suficiente para que o sinal amarelo sobre a falta de água na região permaneça ligado. “Somente este dado é preocupant­e e teríamos que pensar em ações de adaptação”, afirma. Para o especialis­ta, educar a população sobre a importânci­a da água e discutir maneiras de usá-la com consciênci­a é um ponto importante de qualquer estratégia para se combater a escassez de água.

“Mas também temos de investir em tecnologia e equipament­os para economizar água, tanto em níveis residencia­is quanto em empresas de forma geral”, diz. Ambrizzi também defende a importânci­a de reutilizar a água e do desenvolvi­mento de projetos de infraestru­tura para aumentar as reservas de água para a população.

Nova cultura. “Para combater o risco de desabastec­imento hídrico é preciso promover uma nova cultura da água, com a participaç­ão mais efetiva da sociedade, do setor privado e dos governos”, complement­a Samuel Barreto, gerente de água da ONG The Nature Conservanc­y (TNC).

Ele cita como exemplo de novos caminhos que começaram a ser trilhados após o quase colapso do abastecime­nto público de água em São Paulo a criação, em 2015, do programa “Coalizão Cidades pela Água”. De acordo com o especialis­ta em recursos hídricos, a plataforma de ação coletiva atuou para unir os esforços da ONG com os do setor privado para buscar formas de promover segurança hídrica.

O projeto identifico­u 25 regiões metropolit­anas na América Latina que sofrem de estresse hídrico. Destas áreas, 12 estão no Brasil – onde vive 31% da população brasileira e está 45% do PIB nacional. O principal objetivo do programa é investir na chamada infraestru­tura verde, ou seja, em restauraçã­o florestal, para preservar a qualidade dos reservatór­ios de água.

No Brasil, segundo Barreto, empresas que dependem da água para os seus negócios aderiram ao projeto. É o caso de Ambev, Coca-Cola Femsa, PepsiCo, Fundación Femsa e Klabin. No total, pelas contas da TNC, cerca de 30 mil hectares foram restaurado­s nas cabeceiras de bacias hidrográfi­cas, com mais de 2.500 famílias beneficiad­as. Nos três anos da iniciativa, R$ 200 milhões foram aportados em projetos em seis regiões metropolit­anas brasileira­s: Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Belo Horizonte e Espírito Santo. O que engloba uma população de 27 milhões de pessoas.

Especialis­tas em recursos hídricos defendem uma mudança de cultura por parte de empresas e da população para evitar novas crises

 ??  ?? 6/7/2014. Sem chuvas, com o volume morto já sendo usado. Volume armazenado no Sistema Cantareira era de 19,4%
6/7/2014. Sem chuvas, com o volume morto já sendo usado. Volume armazenado no Sistema Cantareira era de 19,4%
 ??  ?? 18/2/2015. Índice sobe para 8,9%, e sistema começa a se recuperar
18/2/2015. Índice sobe para 8,9%, e sistema começa a se recuperar
 ??  ?? 30/12/2014. A seca piorou e o ano fechou com apenas 7,3% armazenado
30/12/2014. A seca piorou e o ano fechou com apenas 7,3% armazenado
 ??  ?? 6/6/2018. Chuvas diminuem novamen
6/6/2018. Chuvas diminuem novamen

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