O Estado de S. Paulo

Deputado é um produto das circunstân­cias

- Carlos Melo

Antes de tudo, errou feio quem, lá atrás, viu em Jair Bolsonaro uma espécie de Celso Russomanno. Ao contrário do deputado da TV, ele não derreteu com a campanha. O populismo do qual ambos são feitos tem barro diferente. Bolsonaro não é fenômeno de mídia nem resultado do recall de eleições anteriores. Trata-se de fenômeno com raízes fincadas na formação e na história política brasileira.

Desde sempre o Brasil possui uma direita belicista e reativa nos costumes. Foi assim com o Integralis­mo de Plínio Salgado, parte consideráv­el da UDN, a Arena, o PDS e o malufismo. Quem não se lembra de Paulo Maluf prometendo “colocar a Rota na rua”?

Em 1998, Maluf era tão relevante que Fernando Henrique Cardoso se submeteu e resignou-se com outdoors ao seu lado, contrarian­do Mário Covas. Com o ocaso de Maluf, a direita ficou órfã de um político que representa­sse seus valores e projetos. Os candidatos do PSDB ocuparam esse espaço apenas como inquilinos ocasionais.

Em 2013, a partir das manifestaç­ões que contestava­m o sistema, o Estado e a qualidade dos serviços, a esquerda e a corrupção, este setor voltou a se organizar e a enxergar em Jair Bolsonaro um representa­nte de seus anseios de ordem, resistênci­a cultural e segurança. Outro aspecto que o favoreceu foi pouco a pouco sinalizar para atores econômicos assustados com o intervenci­onismo estatal e desejosos de uma prática liberal radical na economia. Setores que têm ojeriza ao PT e não mais confiam na força e na disposição dos tucanos.

Paradoxal, a mistura liberalism­o e nacionalis­mo se deu na fusão do capitão com o economista Paulo Guedes. Intuitivam­ente ou não, passou a expressar a agenda que empresário­s e operadores de mercado ansiavam.

Em paralelo, houve a Operação Lava Jato, que varreu PT, PSDB e MDB. Ao contrário de Maluf, Bolsonaro não carregava forte ônus nesse sentido e pôde se favorecer da indignação popular com a corrupção do sistema. Condições que lhe deram pista livre para decolar.

Também os erros dos principais adversário­s ajudaram. Primeiro, o PSDB: na omissão com Aécio Neves, na contaminaç­ão com Michel Temer e na campanha de Alckmin que aguçou e esquentou o antipetism­o, entregando-o a Bolsonaro, o legítimo e mais feroz antagonist­a do PT. Depois, na errática campanha petista. Por fim, o atentado que lhe retirou do perigoso circuito de debates e críticas, que tornam mais vulnerávei­s os iniciantes como Bolsonaro. Ele não brotou do chão: é resultado de uma combinação de fatores. As circunstân­cias são mais importante­s que os atores.

É PROFESSOR DO INSPER.

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