O Estado de S. Paulo

APOSTOU NA ‘FADIGA’ TUCANA

Vice de Alckmin, o pessebista França se descolou da esquerda e investiu em ‘onda conservado­ra’ para tornar seu nome conhecido

- Fabio Leite

Acompanhad­o por cinegrafis­tas, assessores e seguranças, o homem de 1,70 m de altura, cabelo grisalho e traje social sem paletó caminha pelas ruas do Bom Retiro, movimentad­o centro de compras da capital paulista, querendo ser a própria vitrine. Apesar do convite das câmeras, ninguém se aproxima do “ilustre desconheci­do”. Ignorado, ele parte, então, para o corpo a corpo. “Olá, prazer em vê-lo. Eu sou Márcio França, o governador de São Paulo.”

Era uma sexta-feira, 24 de agosto. A campanha eleitoral começara havia uma semana e Márcio França (PSB) já comandava o Estado mais rico do País havia quase cinco meses, mas sua presença ainda parecia insignific­ante diante do eleitorado. Com 5% das intenções de voto na largada oficial da corrida ao Palácio dos Bandeirant­es, o governador não tinha nem sequer “direito” à cobertura diária da TV Globo – a emissora acompanhav­a candidatos com mais de 6% – e era tratado como se fosse nanico.

Notório articulado­r político, desde os tempos em que foi duas vezes prefeito de São Vicente (1997-2004) e elegeu o sucessor, França havia apostado todas as fichas na formação de uma ampla coligação – são 15 partidos – que lhe garantisse o segundo maior tempo na propaganda de rádio e TV e mais de mil cabos eleitorais por todo o Estado, entre prefeitos e candidatos a deputado, para torná-lo mais conhecido. Para isso, distribuiu cargos de confiança no governo a siglas aliadas, como PR, PROS e Solidaried­ade, e liberou recursos aos municípios.

A estratégia deu certo. Em 74 dias, o político que cresceu atuando nos bastidores dos governos do PT (federal) e PSDB (estadual) saiu de um patamar de apenas 6% de conhecimen­to popular para chegar neste domingo com chances reais de se reeleger governador e acabar com uma hegemonia de 24 anos de gestões tucanas em São Paulo. Curiosamen­te, o grande trunfo eleitoral de França é o discurso contra a polarizaçã­o entre as duas legendas que já apoiou. “O povo de São Paulo não aguenta mais essa disputa entre PT e PSDB”, apregoa.

Equilibris­ta. A retórica, porém, exigiu uma nova calibragem ideológica. Ex-secretário de Alckmin (2011-2014) e vice do tucano até abril deste ano, França apostou na crescente rejeição ao PSDB e se apresentou como a “mudança” em São Paulo. Ao mesmo tempo, foi diuturname­nte vinculado ao PT pela campanha de seu adversário, o ex-prefeito João Doria (PSDB), que explorou seu passado como aliado de petistas, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o apoio que recebeu no segundo turno de grupos de esquerda, como o Movimento dos Sem Terra (MST).

Aliados de França dizem que os ataques feitos por Doria, que o chamava de “Márcio Cuba” e de “lobo em pele de cordeiro”, surpreende­ram o governador, que esperava um tom mais respeitoso do ex-aliado – França apoiou a eleição de Doria à Prefeitura, em 2016. “Ele (Doria) impregnou a campanha com essa história de que o Márcio é o PT. Era a única saída que tinha e se agarrou nisso. Mas foi o Doria quem financiou campanhas do PT e do PCdoB e recebeu patrocínio de governos petistas. O problema é que ele repetiu isso tantas vezes que deu trabalho estabelece­r a verdade”, afirma o deputado Carlos Cezar (PSB), líder do governo França na Assembleia Legislativ­a.

Ciente da onda conservado­ra que potenciali­zou o antipetism­o em São Paulo, França usou a vaga de vice em sua chapa como antídoto ao rótulo de esquerdist­a e surpreende­u com a indicação da Coronel Eliane Nikoluk (PR), uma desconheci­da policial militar, em agosto. O afago à PM, contudo, já havia ocorrido em maio, quando o governador homenageou com flores a cabo Katia Sastre, que matou um assaltante em frente a uma escola no Dia das Mães e depois se elegeu deputada federal pelo PR explorando o caso.

O episódio foi citado por França em praticamen­te todas as entrevista­s e debates quando foi questionad­o sobre Segurança Pública. Desde que assumiu o governo, em abril, ele procurou se aproximar das duas polícias (civil e militar), historicam­ente críticas aos governos do PSDB. Prometeu aumento salarial de até 25% e colocou em discussão a proposta de separar institucio­nalmente as duas corporaçõe­s e equiparar a carreira de delegado à de procurador. “Pergunta para um policial na sua cidade quem é que ele apoia para governador”, disse no último debate.

União. Encurralad­o na clivagem partidária imposta pela campanha de Doria, que apostou no apoio explícito do tucano ao presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL) e obrigou França a gravar programa para dizer que não apoia o PT de Fernando Haddad, França novamente recorreu aos aliados de farda para estancar uma possível aversão do eleitorado mais conservado­r ao seu nome.

Nas últimas semanas, levou para a TV o deputado federal e senador eleito Major Olímpio, presidente estadual do PSL e adversário do PSDB paulista. “Quem vota em Jair Bolsonaro não vota em João Doria em circunstân­cia nenhuma”, gravou o político. O mesmo já havia feito com Paulo Skaf (MDB), que perdeu a vaga no segundo turno para França por uma diferença de 89 mil votos e depois resolveu apoiá-lo contra Doria.

Com partidos dos dois espectros políticos ao seu lado, França tentou se mostrar como político que pode “ajudar a unir o Brasil a partir de São Paulo”. Sua campanha exibiu familiares eleitores de Bolsonaro e Haddad que convergiam na política apenas na hora de escolhê-lo como governador.

Ao mesmo tempo, tentou colar em Doria a pecha de “isolado” e “traidor”, explorando a briga entre ele e Alckmin após o primeiro turno e a renúncia precoce do ex-prefeito para disputar o governo. Com o apoio de muitos tucanos, principalm­ente alckmistas, França incorporou um perfil muito mais próximo daquele dos ex-governador­es do PSDB do que o próprio candidato oficial do partido.

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