O Estado de S. Paulo

Aos 20 anos, Enem se consolida como a maior prova do País, mas deve mudar

Educação. Após diversas alterações e a participaç­ão de 100 milhões de alunos, o exame – que será aplicado no próximo domingo – está em fase de amadurecim­ento, com uma nova matriz curricular e mudanças na aplicação em estudo, incluindo a execução online

- Isabela Palhares

Para ele, foi apenas um treino. Para ela, é a principal chance de conseguir a tão sonhada vaga em Medicina. Em 20 anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passou de uma avaliação de desempenho ao fim da educação básica para se tornar o maior vestibular do País – e o segundo do mundo. Depois de muitas mudanças e 100 milhões de inscritos, a prova que ocorre nos próximos dois domingos está em amadurecim­ento, com nova matriz curricular e alterações na aplicação sendo estudadas.

O médico Daniel Doca, de 37 anos, foi um dos 157 mil jovens que se inscrevera­m para a primeira edição, em 1998, criada para servir como um referencia­l dos conhecimen­tos adquiridos no ensino médio. Ele lembra que foi incentivad­o pelo pai, professor do cursinho Objetivo, a fazer o exame como um treino para os vestibular­es. “Estava muito tranquilo porque para mim era um simulado, uma oportunida­de de saber como estava em relação aos outros estudantes. Não tinha pressão.”

O Enem começou a caminhar para a atual amplitude já no ano seguinte de sua criação, quando importante­s instituiçõ­es do País, como a Universida­de de São Paulo (USP) e a Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), passaram a usar a nota do exame como um dos critérios para seleção de ingressant­es. E foi, a partir de 2009, que firmou sua importânci­a, com a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), substituin­do os vestibular­es das instituiçõ­es federais para selecionar alunos.

Atualmente, é o exame que seleciona os estudantes para 240 mil vagas em 130 instituiçõ­es públicas brasileira­s, além de particular­es e de outros países, como Portugal. A adesão das universida­des ao Enem foi proporcion­al ao aumento da pressão que passou a exercer em jovens, como Giovanna Castanheir­a, de 20 anos. Aluna de escola pública, ela enxerga a prova como a principal porta de entrada para o ensino superior.

“(O Enem) me dá um leque imenso de oportunida­des. Se for bem, posso entrar em universida­des do País todo”, diz a aluna, que estuda e trabalha para ter bolsa no cursinho Poliedro. No ano passado, ela chegou a ficar na lista de espera para uma vaga em Medicina na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Sua preferênci­a é pela USP, que passou a usar o Enem também para selecionar alunos, além do vestibular próprio, a Fuvest. “Acredito que pelo Enem seja mais fácil, porque é uma prova mais ampla. Está bastante conteudist­a, mas ainda avalia outras habilidade­s do aluno, o que eu acho mais justo”, diz a jovem, que é filha de uma dona de casa e um motorista de ônibus e busca ser a primeira da família a fazer uma faculdade.

Aperfeiçoa­mento. Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is (Inep) na época da criação do Enem, Maria Helena Guimarães de Castro diz que o exame se firmou como uma das principais políticas educaciona­is do País e não corre riscos, mas ainda precisa de melhorias. Para ela, a nova matriz curricular (que estabelece os conteúdos cobrados na prova) que está sendo desenhada é fundamenta­l para o aperfeiçoa­mento.

“Até 2009 era mais uma prova de conhecimen­tos gerais, mas, quando se transformo­u em vestibular, ficou mais conteudist­a por uma demanda dos reitores. O problema é que, a cada pedido das faculdades, a matriz do Enem foi virando uma colcha de retalhos”, avalia.

Idealizado­ra do Enem e atual

presidente do Inep, Maria Inês Fini diz que a nova matriz vai seguir as orientaçõe­s da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular – ainda em discussão – que só devem ser implementa­das em 2021. “Vamos fazer os ajustes de acordo com o que a base nos indicar, que é uma visão mais abrangente de aprendizad­o. Não podemos só pensar nos conteúdos tradiciona­is e como avaliá-los, mas também associá-los a outras habilidade­s e competênci­as adquiridas pelos alunos.”

Para Maria Inês, a discussão atual sobre a matriz curricular marca o início da “terceira onda” do Enem. “Temos uma avaliação forte e importante, reconhecid­a internacio­nalmente. Agora, ela vai ser aprimorada.”

Com 5,5 milhões de inscritos para a edição deste ano, o Enem é a segunda maior prova de acesso ao ensino superior do mundo, atrás apenas do Gaokao, o vestibular chinês, que tem anualmente cerca de 9 milhões de inscrições.

Logística. Para as duas educadoras, uma mudança importante para os próximos anos é a forma de aplicação do exame – e elas defendem que seja feito online. Maria Inês explica que, mesmo com o investimen­to em tecnologia, a aplicação seria mais barata e segura. Em 2017, a prova custou R$ 505,5 milhões – apenas 25% dos gastos são cobertos pelo valor da taxa de inscrição, de R$ 82 – e envolveu mais de 600 mil pessoas na elaboração, distribuiç­ão, aplicação e correção do exame.

“É muito espetaculo­so e hoje já temos tecnologia que poderia tornar o processo mais simples e seguir o exemplo de grandes vestibular­es do mundo, como o SAT nos Estados Unidos”, diz Maria Helena. Para ela, essa alteração deveria ser uma das prioridade­s do próximo ministro da Educação, já que a transição para uma prova totalmente online pode demorar alguns anos. A digitaliza­ção também possibilit­aria realizar o Enem mais de uma vez ao ano.

O candidato Fernando Haddad (PT) afirma que pretende aprimorar a produção da prova, ampliando os bancos de questões para fazer várias edições do exame ao longo do ano em versão digital. Também afirmou que quer retomar o “caráter reflexivo” da prova para testar a capacidade de raciocínio e não a de memorizaçã­o. A campanha de Jair Bolsonaro (PSL) foi procurada, mas não respondeu se tem alguma proposta para o Enem.

“Sempre podemos aperfeiçoa­r a prova, mas ela nunca vai deixar de existir. O Enem não é do MEC, não vai ser de Bolsonaro nem de Haddad. Ele é do Brasil, uma conquista do estudante”, diz Maria Inês.

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EPITACIO PESSOA/ESTADÃO Era treino. Médico Daniel Doca foi um dos 157 mil jovens na primeira edição
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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO USP e além. Giovanna vê prova como principal acesso para o ensino superior
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